Passos Atrás da Porta

por Robert E. Howard,

Originalmente publicado em Weird Tales, setembro de 1931.


Solomon Kane olhou sombriamente para a nativa que jazia morta aos seus pés. Era pouco mais que uma garota, mas seus membros devastados e olhos arregalados mostravam que ela havia sofrido muito, antes que a morte desse a ela um misericordioso alívio. Kane notou os ferimentos, feitos por correntes, em seus membros; as profundas queimaduras em suas costas e a marca do jugo em seu pescoço. Seus olhos frios tinham uma estranha intensidade, mostrando brilhos frios e luzes como nuvens que cruzam abismos de gelo.

- Eles chegaram até mesmo a esta terra solitária. – ele sussurrou – Eu não havia pensado...

Ele ergueu a cabeça e olhou para o leste. Pontos negros giravam contra o azul, traçando círculos.

- Os pássaros marcam sua trilha. – murmurou o inglês alto – A destruição lhes precede e a morte os segue. Envergonhai-vos, filhos da iniqüidade, pois a ira de Deus está sobre vós. Os cordões foram tirados dos pescoços de ferro da matilha do ódio, e o arco da vingança está retesado. Sois orgulhosos e fortes, e as pessoas choram sob seus pés, mas o castigo vem na negrura da meia-noite e na vermelhidão da aurora.

Ergueu o cinto que segurava suas pesadas pistolas e o punhal afiado, tocou instintivamente a longa e estreita espada de dois gumes em seu quadril, e seguiu furtiva, mas rapidamente, para o leste. Uma ira cruel ardia em seus olhos intensos, como vulcânicos fogos azuis sob léguas de gelo, e a mão, que agarrava seu longo bastão com cabeça de gato, se endureceu como ferro.

Após algumas horas de caminhada firme, chegou aos seus ouvidos a fila de escravos que serpenteava seu caminho laborioso através da selva. Os choros lastimosos dos escravos, os gritos e maldições dos condutores, e o estalar do açoite lhe chegaram claramente aos ouvidos. Mais uma hora, e ficou nivelado com eles; e, deslizando através da selva, em linha paralela ao caminho tomado pelos escravagistas, ele os observou em segurança. Kane havia lutado contra índios em Darien, e aprendera muito de sua experiência de vida em florestas.

Mais de cem nativos – homens e mulheres jovens – cambaleavam ao longo da trilha, completamente nus e unidos uns aos outros por cruéis jugos de madeira. Estes jugos, ásperos e pesados, se encaixavam sobre seus pescoços e os uniam de dois em dois. Os jugos, por sua vez, estavam unidos, formando uma longa cadeia. Dos condutores, quinze eram árabes e uns 70, guerreiros negros, cujas armas e fantástico vestuário mostravam que eles pertenciam a alguma tribo oriental – uma daquelas tribos subjugadas, islamizadas e feitas aliadas pelos conquistadores árabes.

Cinco árabes caminhavam à frente da fila, com uns 30 de seus guerreiros; e outros cinco cobriam a retaguarda com o restante dos guerreiros negros. Os demais marchavam ao lado dos escravos cambaleantes, apressando-os para diante com gritos e maldições, e com longos e cruéis chicotes que faziam jorrar sangue em quase cada golpe. Estes escravistas eram tão tolos quanto canalhas, refletiu Kane – menos da metade sobreviveria às privações da viagem até a costa.

Ele se espantou com a presença destes incursores, pois esta região ficava muito ao sul dos locais que eles normalmente freqüentavam. Mas a avareza pode levar os homens para longe, como o inglês sabia. Ele há muito havia se relacionado com gente daquela laia. Enquanto observava, velhas cicatrizes lhe queimaram nas costas – cicatrizes feitas por chicotes muçulmanos numa galé turca. E o ódio inapagável de Kane ardeu ainda mais profundamente.

O puritano continuou acompanhando seus inimigos, como um fantasma; e, à medida que deslizava através da selva, procurava por algum plano em seu cérebro. Como poderia ele triunfar contra aquela horda? Todos os árabes e muitos de seus aliados usavam armas de fogo – longos e pesados pavios, é verdade, mas também armas de fogo, suficientes para assustarem qualquer tribo de nativos que pudesse opor-se a eles. Alguns carregavam, em seus largos cinturões, longas pistolas com desenhos prateados, de feitio mais eficiente... espingardas de pederneira, de feitio mouro e turco.

Kane seguia como um fantasma pensativo, e sua raiva e ódio lhe devoravam a alma como um cancro. Cada estalar dos chicotes era como um golpe sobre seus próprios ombros. O calor e a crueldade dos trópicos fazem estranhas zombarias. Paixões comuns se tornam coisas monstruosas; a irritação cresce até uma fúria berserk; a ira se inflama até uma loucura inesperada, e homens matam numa névoa vermelha de fúria, e depois se sentem assombrados e horrorizados. A fúria que Solomon Kane sentia era suficiente, em qualquer momento e lugar, para sacudir um homem até seus alicerces, de modo que Kane tremia como se sentisse um calafrio; garras de ferro lhe arranhavam o cérebro, e ele via os escravos e escravistas através de uma bruma vermelha. Mas ele não poderia colocar sua insanidade, nascida do ódio, em ação, se não fosse por um desastre.

Uma das escravas, uma jovem esguia, subitamente vacilou e caiu ao chão, arrastando seu companheiro de jugo com ela. Um árabe alto, de nariz aquilino, gritou selvagemente e a açoitou depravadamente. Cambaleando, o companheiro dela se ergueu em parte, mas a garota continuou prostrada, se retorcendo debilmente sob o chicote, mas evidentemente incapaz de se erguer. Choramingava lamentavelmente por entre os lábios ressecados, e outros escravistas caíam sobre a carne trêmula dela, em açoites de sangrenta agonia.

Meia hora de descanso e um pouco de água a teriam revivido, mas os árabes não tinham tempo livre. Solomon, mordendo o próprio braço até os dentes entrarem na carne, enquanto lutava para se controlar, agradeceu a Deus pelos açoites terem parado, e se endureceu para suportar o rápido reluzir da faca que poria fim ao sofrimento da menina. Mas os árabes estavam dispostos a se divertirem. Já que a garota não lhes renderia benefício algum na praça do mercado, eles a utilizariam para seu próprio prazer... e o humor deles era do tipo capaz de transformar o sangue dos homens em água gelada.

Um grito do primeiro chicoteador, e os demais se aglomeraram ao redor, com seus rostos barbudos fendidos em sorrisos de deleite antecipado, enquanto seus selvagens aliados se agrupavam próximos, com os olhos lampejando. Os infelizes escravos perceberam as intenções de seus donos, e um coro de gritos lastimosos se ergueu deles.

Doente de horror, Kane também percebeu que a morte da garota não seria fácil. Ele sabia o que o muçulmano alto pretendia fazer, quando este se abaixou sobre ela com uma adaga afiada, como a que os árabes usavam para esfolar caça. A loucura derrotou o inglês. Dava pouco valor à própria vida; ele a arriscaria sem pensar pelo bem de uma criança pagã ou de um pequeno animal. Mesmo assim, não desperdiçaria sua única esperança de salvar os infelizes naquela cadeia de escravos. Mas ele agiu inconscientemente. Uma pistola fumegou em sua mão, e o carniceiro alto estava caído sobre a poeira com os miolos escorrendo para fora da cabeça, antes que Kane percebesse o que havia feito.

Ele estava quase tão assombrado quanto os árabes, que ficaram congelados por um momento e logo estouraram numa mistura de gritos. Muitos ergueram suas toscas armas de pavio e dispararam suas balas pesadas, as quais atravessaram as árvores; e o restante, achando que estavam indubitavelmente emboscados, lideraram um temerário ataque selva adentro. A ousada precipitação daquela manobra foi a ruína de Kane. Se eles hesitassem por mais um momento, ele teria desaparecido sem ser visto, mas do jeito que ele viu as coisas, não havia outra escolha, exceto ir abertamente ao encontro deles e vender sua vida tão caro quanto pudesse.

E, de fato, foi com certa fascinação feroz que ele encarou seus atacantes que uivavam. Eles pararam, subitamente assombrados, quando o inglês alto e sombrio saiu de trás de sua árvore; e, naquele instante, um deles foi morto pela bala restante da pistola de Kane no coração. Então, com gritos de fúria selvagem, se lançaram sobre seu desafiador solitário.

Solomon Kane apoiou as costas contra uma enorme árvore, e sua longa espada estreita desenhou uma roda brilhante ao seu redor. Um árabe, e três dos seus igualmente ferozes aliados, tentaram cortá-lo com suas pesadas lâminas curvas, enquanto o restante fazia redemoinhos ao seu redor, rosnando como lobos, enquanto tentavam enfiar lâmina ou bala sem mutilar a um dos seus.

A cintilante espada fina, de dois gumes, desviava as cimitarras sibilantes, e um árabe morreu perfurado por ela, cuja ponta parecia vacilar dentro de seu coração, antes de perfurar o cérebro de um guerreiro que brandia uma espada. Outro atacante deixou a espada cair e saltou para uma luta corpo-a-corpo. Foi estripado pelo punhal na mão esquerda de Kane, e os outros recuaram, subitamente assustados. Uma bala pesada se espatifou na árvore, perto da cabeça de Kane, e ele contraiu os músculos para saltar e morrer no auge da batalha. Então, o sheik deles os açoitou com seu longo chicote, e Kane o ouviu gritar ferozmente para seus guerreiros pegarem o infiel vivo. Kane respondeu à ordem com um súbito arremesso de seu punhal, o qual zumbiu tão próximo à cabeça do sheik, que lhe rasgou o turbante e entrou fundo no ombro de alguém atrás dele.

O sheik sacou suas pistolas com desenhos prateados, ameaçando matar seus próprios homens se eles não pegassem aquele oponente feroz, e os mesmos atacaram desesperadamente de novo. Um dos guerreiros caiu em cheio sobre a espada de Kane, e um árabe atrás dele, com impiedosa habilidade, empurrou subitamente o vociferante infeliz para a arma à sua frente, atravessando-lhe o corpo contorcido na espada até o cabo, obstruindo a lâmina. Antes que Kane pudesse puxá-la, a matilha se lançou sobre ele, com um grito de triunfo, e o derrubou com o simples peso dos números. Enquanto era agarrado por todos os lados, o puritano desejou em vão ainda empunhar a adaga da qual havia se desfeito. Mas, mesmo assim, não foi nada fácil dominá-lo.

Sangue era salpicado, e rostos afundavam sob seus punhos, que estilhavam dentes e despedaçavam ossos. Um guerreiro se afastou cambaleando, inabilitado por uma perversa joelhada na virilha. Mesmo quando o tiveram completamente estendido e imobilizado pelo peso dos homens, sem poder golpear com mãos nem pés, seus longos dedos delgados afundaram ferozmente através de uma barba emaranhada, para se fecharem ao redor de uma garganta musculosa, num aperto que precisou do poder de três homens fortes para desfazê-lo, e que deixou a vítima arfando e com o rosto esverdeado.

Por fim, arfando pelo terrível esforço, eles lhe amarraram mãos e pés, e o sheik, enfiando suas pistolas de volta no cinto de seda, se aproximou a passos largos e ficou olhando para seu cativo. Kane ergueu o olhar para aquela figura alta e esguia, para aquele rosto aquilino de negra barba encaracolada e arrogantes olhos castanhos.

- Sou o sheik Hassim ben Said. – disse o árabe – Quem é você?

- Meu nome é Solomon Kane. – grunhiu o puritano, na mesma linguagem que o sheik – Sou um inglês, seu chacal pagão.

Os olhos escuros do árabe brilharam com interesse.

- Suleiman Kahani. – disse ele, dando o equivalente árabe do nome inglês – Já ouvi falar em você... você combateu os turcos numa ocasião, e os corsários berberes já lamberam as feridas por causa de você.

Kane se dignou a não responder. Hassim encolheu os ombros.

- Você me trará um ótimo preço. – ele disse – Talvez eu lhe leve para Istambul, onde os xás desejariam um homem como você entre os escravos deles. E agora me lembro de um certo Kemal Bey, que tem o rosto cruzado por uma profunda cicatriz do seu feitio e que amaldiçoa o nome do inglês. Ele me pagará um alto preço por você. E note, ó franco, que lhe concedo a honra de lhe designar uma guarda separada. Você não andará acorrentado ao jugo, mas livre, exceto por suas mãos.

Kane não respondeu; e, a um sinal do sheik, foi erguido de pé e suas amarras soltas, exceto pelas mãos, que foram firmemente atadas às costas. Um laço forte lhe foi preso ao pescoço, e sua outra extremidade foi posta na mão de um enorme guerreiro, que levava uma grande cimitarra curva na mão livre.

- E agora, o que achas da minha consideração com você, franco? – perguntou o sheik.

- Acho – respondeu Kane, num tom lento, profundo e ameaçador – que eu trocaria a salvação de minha alma para enfrentar você e sua espada, só e desarmado, e lhe arrancar o coração do peito com meus dedos nus.

Tão concentrado era o ódio em sua intensa voz ressoante, e tão primitiva e indomável a fúria que ardia em seus olhos terríveis, que o endurecido e destemido chefe empalideceu e involuntariamente recuou, como se estivesse diante de uma fera enlouquecida.

Logo, Hassim recuperou sua pose e, com uma breve palavra aos seus seguidores, seguiu a passos largos para a frente da comitiva. Kane notou, agradecido, que a trégua, ocasionada por sua captura, tinha dado, à garota que havia caído, uma chance de descansar e sobreviver. A faca de esfolar não havia tido tempo de fazer mais do que tocá-la; ela era capaz de seguir cambaleando. A noite não estava longe. Logo, os escravistas seriam forçados a pararem e acamparem.

O inglês foi forçado a continuar a viagem, com seu guarda a poucos passos atrás dele, com uma enorme lâmina sempre pronta. Kane também notou, com um toque de sombria futilidade, que mais três guerreiros marchavam próximos a ele, com os mosquetes preparados e os arcabuzes acesos. Haviam lhe experimentado a bravura, e não iam se arriscar. As armas dele haviam sido recuperadas, e Hassim havia prontamente se apropriado de todas, exceto o bastão ju-ju com cabeça de gato. Este havia sido desdenhosamente lançado para um lado por ele, e pego por um dos guerreiros selvagens.

O inglês logo percebeu que um delgado árabe de barba cinza caminhava ao seu lado. Este árabe parecia desejoso em conversar, mas era estranhamente tímido, e a fonte de sua timidez parecia ser, de forma bastante curiosa, o bastão ju-ju que ele havia tomado do homem que o pegara do chão, e ao qual agora ele virava, incerto, com as mãos.

- Sou Yussef, o Hadji. – disse subitamente este árabe – Nada tenho contra você. Não participei do ataque contra você, e gostaria de ser seu amigo, se você permitir. Diga-me, franco, de onde vem este bastão, e como foi que ele chegou às suas mãos?

A primeira vontade de Kane foi de mandar seu interrogador ao inferno, mas uma certa sinceridade na atitude do velho homem lhe fez mudar de opinião e responder:

- Foi dado a mim por um irmão de sangue... um mago da Costa dos Escravos, chamado N’Longa.

O velho árabe assentiu e murmurou algo para si, e logo mandou que um guerreiro corresse para diante, a fim de pedir que Hassim voltasse. Logo, o sheik alto se aproximou a passos largos, ao longo da lenta coluna, com um retinir de adagas e sabres, e com o punhal e pistolas de Kane enfiados no largo cinturão.

- Veja, Hassim – o velho árabe mostrou o bastão –, você o arremessou para longe sem saber o que fazia!

- E daí? – rosnou o sheik – Não vejo mais do que um bastão... de ponta afiada e com a cabeça de um gato na outra extremidade... um bastão com estranhos entalhes pagãos.

O mais velho o sacudiu, empolgado:

- Este bastão é mais velho que o mundo! Possui uma magia poderosa! Já li sobre ele nos livros encadernados a ferro, e o próprio Maomé... às custas de sua própria paz... falava dele através de alegorias e parábolas! Está vendo a cabeça de gato sobre ele? É a cabeça de uma deusa do antigo Egito. Eras atrás, antes dos ensinos de Maomé, antes da existência de Jerusalém, os sacerdotes de Bast seguravam esta vara diante dos inclinados adoradores cantantes! Com ele, Musa fez maravilhas diante do faraó e, quando os judeus fugiram do Egito, o levaram com eles. E, durante séculos, foi o cetro de Israel e Judá; e, com ele, Suleiman ben Daoud expulsou os prestidigitadores e magos, e aprisionou os afrits (*) e os gênios malignos! Olhe! Mais uma vez, nas mãos de um Suleiman, nós encontramos a antiga vara!

O velho Yussef havia discursado num fervor quase fanático, mas Hassim simplesmente encolheu os ombros:

- Ele não salvou os judeus da escravidão, nem este Suleiman de nosso cativeiro. – disse – Não dou mais valor a ele do que à longa lâmina fina, com a qual liberou as almas de três de meus melhores espadachins.

Yussef sacudiu a cabeça:

- Sua zombaria não lhe trará um bom fim, Hassim. Algum dia você encontrará um poder que não se dividirá diante de sua espada, nem cairá diante de suas balas. Guardarei o bastão comigo, e lhe aviso: não abuse do franco. Ele carregava o sagrado e terrível bastão de Suleiman, Musa e os faraós, e quem sabe qual magia tirou dele? Pois ele é mais velho que o mundo, e conheceu as mãos terríveis de estranhos sacerdotes pré-adamitas, em cidades silenciosas sob o mar; e extraiu, de um Mundo Ancestral, mistério e magia inimaginados pela humanidade. Havia estranhos reis e sacerdotes, quando as auroras eram jovens, e o mal existia, mesmo em sua época. E, com este bastão, combateram o mal, que já era antigo quando o mundo era jovem, há tantos milhões de anos, que um homem se estremeceria ao contá-los.

Hassim respondeu impacientemente e se afastou a passos largos, com o velho Yussef o seguindo persistentemente e tagarelando em tom queixoso. Kane estremeceu os ombros poderosos. Com o que sabia dos estranhos poderes daquele estranho bastão, ele não era ninguém para questionar as informações daquele ancião, por mais fantásticas que parecessem.

Isso ele sabia: que era feito de uma madeira que já não existia em nenhum lugar da terra. Não precisava mais do que a prova proporcionada pela visão e toque, para perceber que aquele material havia crescido em algum mundo à parte. O delicado feitio da cabeça, de uma era pré-piramidal, e os hieróglifos, símbolos de uma linguagem que já era esquecida quando Roma era jovem – isto, Kane sentia, eram adições tão modernas à antiguidade do próprio bastão quanto seriam palavras inglesas entalhadas nos monólitos de pedra de Stonehenge.

Quanto à cabeça de gato... ao olhá-la, Kane tinha às vezes uma sensação peculiar de mudança; uma vaga impressão de que outrora o punho do bastão foi entalhado com um desenho diferente. O antiqüíssimo egípcio, que talhara a cabeça de Bast, havia apenas alterado a figura original; e o que havia sido essa figura, Kane nunca havia tentado imaginar. Um exame atencioso naquele bastão sempre despertava uma inquietante e quase vertiginosa sugestão de abismos de eons, a qual desestimulava especulações posteriores.

O dia passou. O sol caía impiedosamente; e logo se abrigava nas grandes árvores, enquanto se inclinava em direção ao horizonte. Os escravos sofriam ferozmente por falta de água, e uma lamúria constante se erguia de suas filas, enquanto cambaleavam cegamente para diante. Alguns caíam e continuavam, meio rastejando, e eram meio arrastados por seus cambaleantes companheiros de cativeiro. Quando todos estavam vergados de exaustão, o sol se pôs, a noite caiu e uma parada foi ordenada. Foi armado o acampamento e destacados postos de guarda. Os escravos foram escassamente alimentados e lhes foi dada água suficiente para mantê-los vivos – mas só isso. Seus grilhões não foram soltos, mas lhes foi permitido se deitarem como pudessem. Com suas medonhas fomes e sedes tendo sido um pouco aplacadas, agüentaram o desconforto de suas algemas com seu estoicismo característico.

Kane foi alimentado sem que suas mãos fossem desamarradas, e lhe foi dada toda a água que ele queria. Os olhos pacientes dos escravos os observavam beber, silenciosamente, e ele se sentiu profundamente envergonhado em beber sofregamente aquilo pelo qual outros sofriam; parou de beber, antes que sua sede fosse totalmente saciada. Uma ampla clareira havia sido escolhida, e em todos os seus lados, se erguiam árvores gigantescas. Após os árabes terem comido, e enquanto os muçulmanos negros ainda cozinhavam sua comida, o velho Yussef se aproximou de Kane e começou a falar novamente sobre o bastão. Kane respondeu suas perguntas com admirável paciência, considerando o ódio que tinha por toda a raça à qual o Hadji pertencia. E, durante a conversa, Hassim se aproximou a passos largos e ficou olhando-os com desdém. Hassim, Kane refletiu, era o próprio símbolo do islamismo militante – audaz, temerário, materialista, e sem poupar nem temer a nada, tão seguro do próprio destino e tão desdenhoso com o direito dos outros quanto o mais poderoso rei ocidental.

- Divagando novamente sobre esta vara? – ele zombou – Hadji, você está ficando infantil em sua velhice.

A barba de Yussef tremeu de raiva. Ele agitou o bastão diante de seu sheik, como uma ameaça maligna.

- Seu sarcasmo é pouco adequado ao seu posto, Hassim. – ele disse bruscamente – Estamos no coração de uma terra sombria e assombrada por demônios, para a qual os demônios da Arábia foram banidos, há muito tempo. Se esse bastão, ao qual qualquer um, exceto um tolo, pode reconhecer que não é uma vara de qualquer mundo conhecido, existiu até os nossos dias, quem sabe quais outras coisas, tangíveis ou intangíveis, podem ter existido ao longo das eras? Esta própria trilha que seguimos... você sabe qual a idade dela? Os homens já a seguiam, antes que os seljúcidas viessem do leste, e os romanos, do oeste. Sobre esta mesma trilha, dizem as lendas, veio o grande Suleiman, quando ele expulsou os demônios da Ásia para o oeste e os encarcerou em estranhas prisões. E você dirá...

Um grito feroz o interrompeu. Das sombras da selva, um guerreiro saiu correndo como se fugisse dos cães-de-caça do Destino. Com os braços se agitando selvagemente, os olhos revirados até mostrar as partes brancas, e a boca aberta a ponto de todos os dentes brilhantes estarem visíveis, ele representava uma imagem de total terror, difícil de ser esquecida. A horda muçulmana se ergueu de um pulo, se apoderando de suas armas, e Hassim praguejou:

- É Ali, a quem enviei para buscar carne... talvez um leão...

Mas nenhum leão seguia o homem que caiu aos pés de Hassim, vociferando de forma inarticulada e apontando ferozmente para a selva negra atrás dele, da qual os tensos expectadores esperavam sair algum horror capaz de abalar o cérebro.

- Ele diz que encontrou um estranho mausoléu na selva – disse Hassim, franzindo a testa –, mas não consegue dizer o que o assustou. Só sabe que um grande horror o inundou e o fez fugir. Ali, você é um idiota e um canalha.

Ele chutou perversamente o selvagem que se arrastava, mas os outros árabes o cercaram com certa incerteza. O pânico estava se espalhando por entre os guerreiros nativos.

- Eles fugirão, apesar da nossa presença. – murmurou um árabe barbudo, olhando desconfortavelmente para os aliados nativos, os quais se moviam em círculos, falavam confusa e agitadamente, e lançavam olhares temerosos por cima dos ombros – Hassim, seria melhor se andássemos mais algumas milhas. Afinal, este é um lugar maligno e, apesar deste tolo do Ali ter se assustado com sua própria sombra... ainda assim...

- Ainda assim – zombou o sheik –, todos vocês se sentirão melhor quando o deixarmos para trás. Muito bem; para acalmar seus medos, levantarei acampamento... mas primeiro darei uma olhada nessa coisa. Levantem os escravos; vamos adentrar a selva e passar por esse mausoléu; talvez haja algum grande rei enterrado lá. Ninguém terá medo se todos nós formos armados.

Assim, os escravos exaustos foram acordados sob chicotadas e voltaram a andar cambaleando sob os açoites. Os aliados nativos seguiam, silenciosos e nervosos, obedecendo relutantemente à vontade implacável de Hassim, mas apinhados perto dos árabes. A lua havia se erguido – cheia, vermelha e taciturna –, e a selva estava banhada num sinistro brilho prateado que desenhava sombras negras nas árvores taciturnas. O trêmulo Ali apontou o caminho, um pouco tranqüilizado pela presença de seu selvagem amo. E assim, atravessaram a selva, até chegarem a uma estranha clareira, entre as árvores gigantescas – estranha porque nada crescia ali. As árvores a cercavam de uma maneira inquietantemente simétrica, e nenhum líquen ou musgo crescia na terra, a qual parecia ter sido secada e arruinada de forma estranha. E, no meio desta clareira, se erguia o mausoléu.

Era uma grande massa melancólica de pedra, rica em antiga maldade. Parecia morta com a morte de cem séculos, mas Kane percebia que o ar pulsava ao redor dela, como se com a lenta respiração inumana de algum gigantesco monstro invisível.

Os aliados nativos dos árabes recuaram murmurando, atacados pela atmosfera maligna do local. Os escravos aguardavam num grupo paciente e silencioso sob as árvores. Os árabes seguiram em direção à carrancuda massa negra, e Yussef, pegando a corda de Kane da mão do guarda, levou o inglês com ele como se fosse um ríspido mastim, como que para se proteger contra o desconhecido.

- Algum poderoso sultão, sem dúvida, jaz aqui. – disse Hassim, batendo de leve na pedra com a bainha de sua espada.

- De onde vêm estas pedras? – murmurou Yussef, incomodado – São de aspecto obscuro e desagradável. Por que um sultão seria enterrado em grande pompa, tão longe de qualquer habitação humana? Se houvesse ruínas de uma velha cidade por aqui, seria diferente...

Ele se inclinou, para examinar a pesada porta de metal e sua enorme fechadura, curiosamente selada e fundida. Ele sacudiu a cabeça, com um mau pressentimento ao perceber os antigos caracteres hebraicos entalhados na porta.

- Não os consigo ler – ele disse, com voz trêmula –, e talvez seja melhor que eu não consiga. Sejam quem for os antigos reis encerrados aqui, não é bom que os homens os perturbem. Hassim, vamos sair daqui. Este lugar está cheio de maldade para os filhos dos homens.

Mas Hassim não lhe deu atenção.

- Quem jaz lá dentro não é filho do Islã. – ele disse – E por que não devemos despojá-lo das jóias e riquezas que, indubitavelmente, foram postas para descansar com ele? Vamos arrombar esta porta.

Alguns dos árabes sacudiram as cabeças, incertos, mas a palavra de Hassim era lei. Chamando para si um enorme guerreiro que empunhava um pesado martelo, lhe ordenou que arrombasse a porta.

Quando o homem ergueu o malho, Kane soltou uma abrupta exclamação. Estava louco? A aparente antiguidade desta massa melancólica de pedra era a prova de que havia permanecido imperturbada por milhares de anos. Mas ele poderia jurar ter ouvido os sons de passos lá dentro! Soavam calmamente, para a frente e para trás, como se algo andasse compassadamente nos confins estreitos daquela prisão medonha, numa eterna monotonia de movimento.

Uma mão fria tocou a espinha de Solomon Kane. Se os sons eram registrados em seu ouvido consciente, ou em alguma profundeza insondada da alma, ele não conseguia dizer, mas sabia que, em algum lugar de sua consciência, ressoavam os passos pesados de pés monstruosos, desde o interior daquele mausoléu medonho.

- Pare! – ele exclamou – Hassim, eu posso estar louco, mas ouço os passos de algum demônio dentro dessa pilha de pedra.

Hassim ergueu a mão e deteve o martelo erguido. Escutou atentamente, e os outros aguçavam os ouvidos, num silêncio que subitamente ficou tenso.

- Não ouço nada. – grunhiu um gigante barbudo.

- Nem eu. – respondeu rapidamente um coro – O franco está louco!

- Ouves alguma coisa, Yussef? – perguntou Hassim sardonicamente.

O velho Hadji se moveu nervoso. Seu rosto não estava tranqüilo.

- Não, Hassim. Todavia, não...

Kane concluiu que deveria estar louco. Mas, em seu íntimo, sabia que nunca esteve tão ajuizado, e sabia, de algum modo, que este aguçamento oculto dos sentidos mais profundos, que o colocava à parte dos árabes, vinha de uma longa associação com o bastão ju-ju, ao qual Yussef agora segurava em suas mãos trêmulas.

Hassim riu asperamente e fez um gesto para o guerreiro. O martelo caiu com um estrondo, que ressoou de forma ensurdecedora e vibrou através da selva negra numa estranhamente alterada gargalhada convulsiva. Outra vez... outra vez... e outra vez, o martelo caiu, impulsionado por todo o poder de músculos em atividade e corpo poderoso. E, entre os golpes, Kane ainda ouvia aquele caminhar pesado, e ele, que nunca conhecera o medo como os homens conhecem, sentiu a mão fria do terror lhe agarrar o coração. Este medo estava tão à parte do medo terreno ou mortal, quanto o som das pisadas estava dos passos de um mortal. O medo de Kane era como um vento frio soprando nele, desde reinos exteriores de inimaginada Escuridão, levando a ele o mal e a decadência de uma época sobrevivente e de um impronunciável período antigo. Kane não tinha certeza se ouvia aqueles passos, ou se os sentia através de um vago instinto. Mas ele estava certo de sua realidade. Não era o caminhar de um homem, nem o de um animal; mas, dentro daquele negro e espantosamente antigo mausoléu, alguma coisa sem nome se movia, sacudindo-se de forma desagradável e com passos de elefante.

O poderoso guerreiro suava e ofegava com a dificuldade de sua tarefa. Mas, finalmente, sob os pesados golpes, a antiga tranca se despedaçou; as dobradiças se partiram e a porta se abriu bruscamente para dentro. E Yussef gritou.

Daquela negra entrada aberta, não saltou nenhuma fera com presas de tigre, nem demônio de carne sólida e sangue. Mas um fedor medonho fluiu para fora, aos vagalhões, em ondas quase tangíveis; e, num enlouquecedor e voraz movimento rápido, pelo qual a porta aberta parecia jorrar sangue, o Horror estava sobre eles. Ele envolveu Hassim, e o destemido chefe, golpeando em vão aquele terror quase intangível, gritou com um súbito e desacostumado terror, enquanto sua cortante cimitarra assobiava apenas através de uma matéria tão vazia e invulnerável quanto o vento, e ele se sentiu envolto por espirais de morte e destruição.

Yussef guinchou como uma alma penada, deixou cair o bastão ju-ju e se juntou aos seus companheiros que corriam selva adentro em fuga louca, precedidos por seus aliados uivantes. Só os escravos não fugiram, permanecendo algemados ao seu destino e chorando de terror. Como num pesadelo de delírio, Kane viu Hassim balançando como um junco ao vento, envolvido por uma gigantesca e pulsante Coisa vermelha, a qual não tinha forma nem substância terrena. Então, quando o estalar de ossos quebrados chegou até ele, e o corpo do sheik se dobrou como palha sob um casco triturador, o inglês rompeu suas amarras com um esforço vulcânico, e pegou o bastão ju-ju.

Hassim estava caído, esmagado e morto, esparramado como um brinquedo quebrado, com os membros destroçados e tortos; e a Coisa vermelha e pulsante cambaleava em direção a Kane, como uma espessa nuvem de sangue no ar, a qual mudava continuamente de forma e contorno; e ainda assim, caminhava pesadamente, como se estivesse sobre duas pernas monstruosas!

Kane sentiu os dedos frios do medo lhe agarrarem o cérebro, mas ele se firmou e, erguendo o antigo bastão, golpeou com toda a força no centro daquele Horror. E sentiu uma inominável substância imaterial encontrar e recuar diante do bastão cadente. Então, ele foi quase estrangulado pela explosão nauseante de fedor profano que inundou o ar e, em algum lugar, lá no fundo dos horizontes obscuros da consciência de sua alma, ressoou intoleravelmente um disforme cataclismo horrendo, o qual ele sabia ser o grito de morte do monstro. Pois este estava caído e morrendo aos seus pés, com seu escarlate empalidecendo em lentos vagalhões, como o erguer e recuar de ondas vermelhas em alguma costa repugnante. E, ao empalidecer, o grito silencioso diminuiu, em direção a distâncias cósmicas, como se desaparecesse dentro de alguma esfera distante e afastada, além da percepção humana.

Atordoado e incrédulo, Kane desceu o olhar para uma massa disforme e incolor – quase invisível – aos seus pés, a qual ele sabia ser o cadáver do Horror, lançado de volta aos reinos escuros do qual viera, por um único golpe do bastão de Solomon. Sim, o mesmo bastão, Kane sabia, que nas mãos de um poderoso rei e mago, havia, eras atrás, lançado o monstro para dentro daquela estranha prisão, para aguardar até o dia em que mãos ignorantes o libertassem novamente sobre o mundo.

Então, os velhos contos eram verdade, e o Rei Salomão havia realmente expulsado os demônios para oeste e aprisionado-os em estranhos lugares. Por que ele os deixou viver? Seria a magia humana fraca demais, naqueles dias obscuros, para fazer mais do que subjugar os demônios? Kane estremeceu os ombros, assombrado. Ele não entendia nada de magia, mas havia matado o que o outro Solomon só havia aprisionado.

E Solomon Kane estremeceu, pois tinha visto uma Vida que não era a Vida como ele conhecia, e havia causado e testemunhado uma Morte, que não era a Morte como conhecia. A compreensão chegou até ele, como havia feito nos salões empoeirados da Negari atlante, como nas detestáveis Colinas dos Mortos, como em Akaana – de que a vida humana era apenas uma entre mil formas de existência, de que existiam mundos dentro de outros mundos, e que existia mais de um plano de existência. O planeta, ao qual os homens chamam de Terra, girava através de eras incalculáveis – Kane percebia –, e ao girar, produzia Vida, e seres vivos que rastejavam ao redor dele, como larvas produzidas pela podridão e corrupção. O homem era agora a larva dominante. Por que ele haveria de supor, em seu orgulho, que ele e seus auxiliares eram as primeiras larvas, ou as últimas a governarem um planeta animado por vida desconhecida? Ele sacudiu a cabeça, olhando com novo assombro para o antigo presente de N’Longa, vendo-o finalmente, não como uma simples ferramenta de magia negra, mas como uma espada de bondade e luz eterna contra os poderes do mal inumano. E foi sacudido com uma estranha reverência por ele, a qual era quase medo. Logo, se inclinou em direção à Coisa aos seus pés, estremecendo ao sentir-lhe a estranha massa deslizar entre seus dedos, como fragmentos de névoa espessa. Ele empurrou o bastão sob ela e, de alguma forma, ergueu e empurrou a massa de volta ao mausoléu, e fechou a porta.

Logo, ficou contemplando o corpo estranhamente mutilado de Hassim, notando como estava manchado de limo repugnante, e como já começava a se decompor. Ele estremeceu de novo, e subitamente uma voz baixa e tímida o despertou de suas meditações sombrias. Os cativos estavam ajoelhados sob as árvores, e observavam com grandes olhos pacientes. Com um sobressalto, se livrou de seu estranho humor. Tirou, do cadáver embolorado, as próprias pistolas, punhal e espada, sacudindo-os para limpar a sujeira aderente que já estava manchando o aço com ferrugem. Ele também pegou uma porção de pólvora e balas, as quais os árabes haviam deixado cair em sua fuga frenética. Sabia que não retornariam mais. Talvez morressem em sua fuga, ou talvez alcançassem a costa através de léguas intermináveis de selva; mas não voltariam para enfrentar o terror daquela horrível clareira.

Kane se aproximou dos escravos desventurados e, após alguma dificuldade, os libertou.

- Peguem as armas, as quais os guerreiros deixaram cair em sua pressa. – ele disse –, e voltem para casa. Este é um lugar maligno. Voltem às suas aldeias e, quando os próximos árabes vierem, prefiram morrer nas ruínas de suas cabanas do que serem escravos.

Então, eles estavam prestes a se ajoelharem e beijarem seus pés, mas ele, bastante confuso, os proibiu asperamente. Logo, quando se preparavam para ir, um deles lhe falou:

- Mestre, o que farás? Não queres retornar conosco? Tu serás nosso rei!

Mas Kane negou com a cabeça.

- Vou para o leste. – ele disse.

E assim, o povo das tribos se inclinou em direção a ele, e deu a volta para iniciar o longo caminho de volta ao lar. E Kane lançou ao ombro o bastão que havia sido o cetro dos faraós, de Moisés, de Salomão e dos anônimos reis atlantes que os precederam; e virou o rosto para leste, parando apenas para olhar rapidamente para trás, em direção ao grande mausoléu que outro Solomon havia construído com estranhas artes, há muito tempo atrás, e que agora avultava escuro e eternamente silencioso em direção às estrelas.





(*) - Afrit: Um poderoso espírito do mal, ou gigantesco e monstruoso demônio, na mitologia árabe (Nota do Tradutor).



Tradução: Fernando Neeser de Aragão.

Fonte: http://en.wikisource.org/wiki/The_Footfalls_Within
Compartilhar