Lança e Presa

Introdução:


Confesso que, apesar de ser um conto curto e com palavras de fácil entendimento, esta foi uma das traduções mais difíceis na vida de quem já leu os cinco romances da saga “Os Filhos da Terra”, de Jean M. Auel, além de já ter visto diversos artigos – em jornais, livros, revistas e Internet – sobre o Homem de Neanderthal. Hoje, nós sabemos que ele foi o primeiro a enterrar seus mortos com flores coloridas, artefatos e comida cozida; que foi o primeiro ser humano a confeccionar flautas, bem como a criar a escala de notas musicais de hoje; que, com base numa abertura craniana existente – o canal hipoglossal, do mesmo tamanho que o nosso, e maior que o de qualquer outro hominídeo –, ele tinha a fala tão articulada quanto a nossa, além de ter tido uma indústria de pedra lascada – o Mousteriano – tão sofisticada quanto a de nossos antepassados que com ele conviveram – o Levalloisense.

Contudo, as grandes descobertas, na Europa e Oriente Médio – as quais serviram para provar que o Neanderthal era tão inteligente e habilidoso quanto nós –, só vieram a ser feitas de 1950 para cá (ou seja, muitos anos após a morte do autor deste conto). Esta é uma das poucas razões pelas quais traduzi a aventura que segue. Pelo menos, ela serve para mostrar até que ponto a relativa – e ao mesmo tempo grande – falta de conhecimentos de uma época leva alguém a pré-conceber idéias sobre o que não se sabia. Enfim, é interessante como aventura de ficção, mas é também interessante para se saber como os intelectuais de oito décadas atrás provavelmente imaginavam aquela espécie, sobre a qual não se conhecia nem a terça parte do que se sabe hoje.

Estou certo de que, se Robert E. Howard tivesse nascido uns sessenta ou setenta anos mais tarde, o então futuro criador de Conan teria abordado os neandertalenses de forma totalmente diferente da que será vista a seguir.


Fernando Neeser de Aragão (fernando_arag@yahoo.com.br / fernando.neeser2@bol.com.br).








Lança e Presa

Por Robert E. Howard,

Originalmente publicado em julho/ 1925



A-aea se agachou perto da entrada da caverna, observando Ga-nor com olhos admiradores. A ocupação de Ga-nor interessava a ela, tanto quanto o próprio Ga-nor. Quanto a Ga-nor, ele estava ocupado demais com seu trabalho para percebê-la. Uma tocha, fincada num nicho da parede da gruta, iluminava fracamente a caverna espaçosa, e, à sua luz, Ga-nor estava laboriosamente desenhando figuras na parede. Com um pedaço de sílex, ele riscava o contorno; e depois, com um pequeno ramo mergulhado em tinta ocre, completava a ilustração. O resultado era tosco, mas uma real evidência de verdadeiro gênio artístico, se esforçando por expressão.

Era um mamute, o que ele tentava pintar, e os olhos da jovem A-aea se arregalavam de surpresa e admiração. Maravilhoso! Que importava se o animal tinha uma perna a menos e não possuía cauda? Os críticos eram homens tribais, que acabavam de sair arduamente do total barbarismo, e para eles, Ga-nor era um perito.

Entretanto, não foi para observar a reprodução de um mamute, que A-aea se escondeu entre as escassas moitas pela caverna de Ga-nor. A admiração pela pintura se empalidecia, ao lado do olhar de incontestável adoração com o qual aprovava o artista. De fato, Ga-nor não era desagradável de se ver. Era alto, medindo mais de 1m90(*), de constituição esguia, com ombros fortes e quadris estreitos – a estrutura de um lutador. Ambas as mãos e os pés eram longos e esguios; e suas feições, enchidas de contornos destemidos pela trêmula luz da tocha, eram inteligentes, com uma testa alta e larga, encimada por uma juba de cabelos amarelados.

A própria A-aea era bastante confortável de se olhar. Seus cabelos, assim como os olhos, eram negros e caíam-lhe ao redor dos ombros esguios como uma onda cacheada. Nenhuma tatuagem ocre pintava-lhe a face, pois ela ainda era solteira.

Tanto a garota quanto o jovem eram exemplos perfeitos da grande raça Cro-Magnon, que veio não se sabe de onde, anunciando e impondo sua supremacia sobre feras e homens-fera.

A-aea olhou quase nervosamente. Todas as idéias contrárias, costumes e tabus são muito mais intolerantes e vigorosamente impostos entre povos selvagens.

Quanto mais primitiva a raça, mais intolerantes seus costumes. Vício e licenciosidade podem ser a regra, mas o aspecto de vício é evitado e condenado. Desse modo, se A-aea fosse descoberta, se escondendo perto da gruta de um jovem descomprometido, a denúncia como uma mulher desavergonhada seria seu destino, e sem dúvida, um açoitamento em público.

Para ser conveniente, A-aea deveria bancar a donzela modesta e recatada, talvez despertando habilmente o interesse do jovem artista, sem parecer fazê-lo. Depois, se o jovem gostasse, ele a cortejaria publicamente, através de rudes canções de amor e música de flauta de caniço. Depois, permutaria com os pais dela, e então... casamento. Ou simplesmente não cortejaria, se a amada fosse rica.

Mas a jovem A-aea era, por si só, um sinal de progresso. Olhadelas dissimuladas haviam falhado em atrair a atenção do jovem, que parecia inteiramente ocupado em sua maestria. Então, ela usou a maneira não-convencional de espioná-lo, na esperança de achar algum meio de ganhá-lo.

Ga-nor se afastou de seu trabalho concluído, levantou-se e olhou em direção à entrada da caverna. Como um coelho assustado, a pequena A-aea abaixou a cabeça e se afastou em disparada.

Quando Ga-nor saiu da gruta, ficou perplexo ao ver uma pegada pequena e fina no marga macio, do lado de fora da caverna.

A-aea caminhou cerimoniosamente em direção à própria caverna, que ficava, como quase todas, a alguma distância da de Ga-nor. Enquanto o fazia, ela notou um grupo de guerreiros, conversando agitadamente diante da caverna do chefe.

Uma simples garota não tinha permissão para entrar nos conselhos dos homens, mas a curiosidade de A-aea era tamanha, que ela se arriscou a levar uma repreensão, ao se mover furtivamente para mais perto. Ouviu as palavras “pegada” e “gur-na” (homem-macaco).

As pegadas de um gur-na haviam sido achadas na floresta, não muito longe das cavernas.

“Gur-na” era uma palavra de ódio e horror para o povo das cavernas, pois as criaturas a quem os homens da tribo chamavam “gur-na”, ou homens-macaco, eram os monstros peludos de outra era, os rudes homens de Neandertal. Mais temidos que mamutes ou tigres, eles haviam governado as florestas, até chegarem os homens de Cro-Magnon, os quais empreenderam guerras selvagens contra eles. Com enorme força e mentes pequenas, selvagens, bestiais e canibais, eles inspiraram os homens tribais com repugnância e horror – um horror transmitido através das eras, em histórias de ogros e duendes, de lobisomens e homens-fera.

Agora, eles estavam em menor número e eram mais astutos. Há não muito tempo, eles investiam rugindo para combater; mas, astuta e assustadoramente, eles se moveram furtivamente ao redor das florestas, o terror de todas as feras, guardando em suas mentes rudes o ódio pelos homens que os enxotaram dos melhores territórios de caça.

E os homens de Cro-Magnon sempre os perseguiam e massacravam, até eles terem se retirado sombriamente para longe, para dentro das florestas. Mas o medo deles permanecia nos homens tribais, e nenhuma mulher ia sozinha para a floresta.

Às vezes, as crianças iam, e às vezes não retornavam. E os buscadores só achavam sinais de um medonho banquete, com pegadas que não eram nem de animais e muito menos de homens.

E então, um grupo de caça partia para perseguir o monstro. Às vezes, ele lutava e era morto; e, às vezes, fugia deles e escapava nas profundezas da floresta, onde eles não ousavam segui-lo. Certa vez, um grupo de caça temerário havia perseguido um gur-na fugitivo nas profundezas da floresta, e lá, num profundo desfiladeiro, onde ramos pendentes obstruíam a passagem do sol, vários neandertais atacaram-nos de surpresa.

Deste modo, nunca mais adentraram as florestas.

A-aea se desviou, com um rápido olhar para a floresta. Em algum lugar nas suas profundezas, se escondiam os homens-fera, com seus olhos de porco brilhando em ódio astuto, malévolos e assustadores.

Alguém andava na trilha dela. Era Ka-nanu, filho de um conselheiro do chefe.

Ela se afastou, dando de ombros. Não gostava de Ka-nanu e tinha medo dele. Ele a cortejava com um ar de zombaria, como se o fizesse apenas por diversão e fosse tomá-la sempre que quisesse, de qualquer modo. Ele agarrou-a pelo pulso.

- Não se afaste, bela virgem. – ele disse – É seu escravo, Ka-nanu.

- Deixe-me ir. – ela respondeu – Preciso ir à nascente, buscar água.

- Irei com você, então, lua de prazer, para que nenhuma fera possa lhe fazer mal.

E ele a acompanhou, apesar dos protestos dela.

- Há gur-nas por toda a parte. – ele disse, carrancudo – É lícito para um homem acompanhar até mesmo uma donzela solteira, para protegê-la. E eu sou Ka-nanu. – acrescentou, num tom diferente – Não me resista muito, ou lhe ensinarei a obedecer.

A-aea conhecia algo da natureza impiedosa do homem. Muitas garotas na tribo olhavam com aprovação para Ka-nanu, pois ele era mais largo e alto que o próprio Ga-nor, e mais bonito, de uma forma temerária e cruel. Mas A-aea amava Ga-nor e temia Ka-nanu. Seu próprio temor a ele a impedia de resistir demais às suas aproximações. Ga-nor era conhecido por ser gentil com mulheres, embora desatento com elas, enquanto Ka-nanu, mostrando desse modo a si mesmo ser uma outra marca de progresso, tinha orgulho de seu sucesso com as mulheres e usava seu poder sobre elas de forma nada gentil.

A-aea descobriu que Ka-nanu era mais temível que um animal, pois, assim que ficaram longe do alcance visual das cavernas, ele agarrou-a com os braços.

- A-aea – ele sussurrou –, meu pequeno antílope, finalmente eu tenho você. Não irá me escapar.

Foi em vão que ela se debateu e se defendeu dele. Erguendo-a em seus braços poderosos, ele caminhou a passos largos para dentro da floresta.

Ela lutou freneticamente para escapar, para dissuadi-lo.

- Não sou forte o bastante para lhe resistir – ela disse –, mas vou lhe acusar diante da tribo.

- Você jamais vai me acusar, pequeno antílope. – ele disse, e ela leu outra intenção, ainda mais sinistra, na cruel fisionomia dele.

Ininterruptamente, ele a carregou para dentro da floresta e, no meio de uma clareira, fez uma pausa, com seu instinto de caçador alerta.

Das árvores diante dele, apareceu um mostro horrendo, uma coisa peluda, disforme e assustadora.

O grito de A-aea ecoou repetidamente pela floresta, enquanto a coisa se aproximava. Ka-nanu, com os lábios pálidos e horrorizado, deixou A-aea cair ao chão e disse a ela que fugisse. Depois, puxando faca e machado, ele avançou.

O homem de Neandertal saltou para a frente, com suas pernas curtas e nodosas. Era coberto de pêlos, e suas feições eram mais hediondas que as de um macaco, por causa da grotesca qualidade humana nelas. Nariz chato e alargado, queixo recuado, presas, nenhuma testa; braços grandes e imensamente longos, pendendo de incríveis ombros sujos, o monstro parecia o próprio demônio para a garota aterrorizada. Sua cabeça simiesca mal alcançava os ombros de Ka-nanu, embora ele devesse pesar uns 45 kg a mais que o guerreiro.

Avançou como um búfalo no ataque, e Ka-nanu se defrontou direta e corajosamente com ele. Com o machado de sílex e a adaga de obsidiana, ele perfurou e golpeou, mas o machado foi posto de lado como se fosse um brinquedo, e o braço que segurava a faca se partiu como um graveto na mão disforme do neandertal. A jovem viu o filho do conselheiro sendo puxado violentamente do chão e sacudido no ar, o viu sendo arremessado por toda a clareira, e viu o monstro pular atrás dele e dilacerá-lo membro a membro.

Então, o neandertal voltou a atenção para ela. Uma nova expressão surgiu em seus olhos horrendos, enquanto ele se movia pesadamente em sua direção, com as grandes mãos peludas, lambuzadas de sangue, se estendendo em direção a ela.

Incapaz de fugir, ela jazia atordoada de horror e medo. E o monstro arrastou-a para si, olhando-a malevolamente nos olhos. Ele lançou-a sobre o ombro e caminhou bamboleando por entre as árvores; e a garota, meio desmaiada, sabia que ele a estava levando para seu covil, onde nenhum homem ousaria vir resgatá-la.


Ga-nor desceu à nascente para beber. Ociosamente, ele percebeu as leves pegadas de um casal que chegara antes dele. Ociosamente, notou que não haviam retornado.

Cada pegada tinha sua característica individual. A masculina, ele sabia que era de Ka-nanu. O outro rastro era idêntico àquele diante de sua caverna. Ele se surpreendeu, tão ociosamente quanto Ga-nor estava acostumado a fazer com todas as coisas, exceto a pintura de desenhos.

Então, na nascente, ele percebeu que as pegadas da garota terminavam, mas as do homem seguiam em direção à selva e estavam mais profundamente impressas do que antes. Portanto, Ka-nanu estava carregando a garota.

Ga-nor não era tolo. Ele sabia que um homem não carrega uma moça para dentro da floresta com bons propósitos. Se ela quisesse ir, não estaria sendo carregada.

Agora, Ga-nor (outro sinal de progresso) estava disposto a se intrometer em coisas que não lhe diziam respeito. Talvez outro homem tivesse dado de ombros e continuado seu caminho, refletindo que não seria bom se intrometer com o filho de um conselheiro. Mas Ga-nor tinha poucos interesses, e uma vez que seu interesse era despertado, ficava disposto a ver algo até o fim. Além disso, embora não tivesse fama de lutador, não temia homem algum.

Desse modo, puxou o machado e a adaga em seu cinto, agarrou sua lança e seguiu o rastro.


Ininterruptamente, cada vez mais para dentro da floresta, o neandertal carregava a jovem A-aea.

A floresta era silenciosa e maligna: nenhum pássaro, e sem insetos para quebrar o silêncio. Pelas árvores pendentes, nenhuma luz solar se filtrava. Sobre pés almofadados, que não faziam ruídos, o neandertal seguia depressa.

Os animais se afastavam furtivamente de seu caminho. Em certo momento, uma grande píton veio deslizando pela selva, e o neandertal se dirigiu para as árvores, numa velocidade surpreendente para alguém do seu volume gigantesco. Ele não se sentia em casa nas árvores, entretanto – nem mesmo tanto quanto A-aea se sentiria.

Uma ou duas vezes, a jovem vislumbrava outro monstro, como seu captor. Evidentemente, eles se afastavam muito dos limites vagamente definidos da raça dela. Os outros homens de Neandertal os evitavam. Era evidente que viviam como animais, se unindo apenas contra inimigos comuns, de forma não-freqüente. Lá estava a razão para o sucesso da guerra do Cro-Magnon contra eles.

Para dentro de uma ravina, ele levou a moça; e para dentro de uma caverna – pequena e vagamente iluminada pela luz do lado de fora. Ele jogou-a rudemente no chão da caverna, onde ela ficou deitada, apavorada demais para se levantar.

O monstro olhou para ela, como um demônio da floresta. Nem sequer algaraviou com ela, como um macaco o faria. Os neandertais não tinham nenhuma forma de fala.

Ele a ofereceu algum tipo de carne – crua, é claro. Com a mente cambaleando de horror, ela viu que se tratava do braço de uma criança Cro-Magnon. Quando viu que ela não iria comer, ele mesmo devorou, rasgando a carne com grandes presas.

Tomou-a entre os grandes braços, machucando-lhe a carne macia. Ele correu os rudes dedos pelo cabelo dela e, ao ver que tinha ferido-a, pareceu preenchido por uma alegria demoníaca. Arrancou punhados do cabelo dela, parecendo gostar diabolicamente. A-aea apertou os dentes, e não ia gritar como fizera no início; e dentro em pouco, ele desistiu.

A roupa de pele de leopardo, que ela vestia, parecia enfurecê-lo. O leopardo era seu inimigo hereditário. Ele arrancou-a dela e rasgou-a em pedaços.

Enquanto isso, Ga-nor se apressava pela floresta. Agora estava correndo, e seu rosto era uma máscara demoníaca, pois ele havia alcançado a clareira e encontrado as pegadas do monstro, que se afastavam dali.

E, na caverna dentro da ravina, o neandertal estendia a mão para pegar A-aea.

Ela pulou para trás, e ele lançou-se em sua direção. Ele a tinha num canto, mas ela escapuliu sob seu braço e recuou. Ele ainda estava entre ela e o lado de fora da caverna.

Se ela não conseguisse passá-lo, ele iria acuá-la e se apoderar dela. Então, ela fingiu pular para um lado. O neandertal se moveu pesadamente nessa direção, e, rápida como um gato, ela pulou na outra direção e passou por ele em disparada, saindo para a ravina.

Com um bramido, ele se lançou atrás dela. Uma pedra rolou sob o pé dela, derrubando-a de ponta-cabeça; antes que ela pudesse se erguer, a mão dele agarrou-lhe o ombro. Enquanto ele a puxava para dentro da gruta, ela gritava selvagem e desvairadamente, sem esperança de resgate – simplesmente, o grito agudo de uma mulher sob o domínio de um animal.

Ga-nor ouviu aquele grito agudo, enquanto saltava para dentro da ravina. Ele se aproximou da caverna, rápida mas cautelosamente. Enquanto olhava para dentro, sentia ódio vermelho. Sob a vaga luz da caverna, se erguia o grande neandertal, com seus olhos de porco em seu inimigo; hediondo, peludo e lambuzado de sangue, enquanto, aos seus pés, com o macio corpo branco contrastando com o monstro desgrenhado e o longo cabelo agarrado pela mão ensangüentada do mesmo, estava A-aea.

O neandertal urrou, largou sua cativa e atacou. E Ga-nor o enfrentou, sem competir força bruta com sua força menor, mas pulando para trás, pra fora da gruta. A lança foi estocada, e o monstro urrou, quando a mesma lhe atravessou o braço. Dando outro pulo para trás, o guerreiro puxou a lança e se agachou. O neandertal investiu novamente, e novamente o guerreiro pulou e estocou, desta vez no grande peito peludo. E assim lutaram: velocidade e inteligência contra força bruta e selvageria.

Num dado momento, o grande braço fustigante do monstro pegou Ga-nor pelo ombro e o lançou violentamente a uma distância de mais de três metros e meio, deixando aquele braço quase inutilizado por um tempo. O neandertal saltou atrás dele, mas Ga-nor lançou-se para um lado e ergueu-se de um pulo. Repetidas vezes, sua lança arrancava sangue, mas ela aparentemente só fazia enfurecer o monstro.

Então, antes que o guerreiro percebesse, a parede da ravina estava às suas costas e ele ouviu A-aea soltar um grito agudo, quando o monstro investiu. A lança foi arrancada de sua mão, e ele estava sob o domínio de seu inimigo. Os longos braços lhe envolviam o pescoço e ombros, e as grandes presas buscavam-lhe a garganta. Ele empurrou o cotovelo sob o queixo recuado de seu antagonista e, com a mão livre, golpeou repetidamente o rosto hediondo; golpes que teriam derrubado um homem comum, mas que não eram sequer percebidos pelo bruto neandertal.

Ga-nor sentiu a consciência lhe abandonando. Os terríveis braços estavam espremendo-o, ameaçando quebrar-lhe o pescoço. Sobre o ombro de seu inimigo, ele viu a garota se aproximar com uma pedra grande, e tentou fazer sinal para que ela recuasse.

Com grande esforço, estendeu a mão para além do braço do monstro e encontrou seu machado. Mas estavam tão engalfinhados, que ele não conseguia brandi-lo. O homem de Neandertal se preparou para quebrar seu adversário em pedaços, como se fosse um galho seco. Mas o cotovelo de Ga-nor estava enfiado sob seu queixo, e quanto mais o homem de Neandertal o puxava, mais profundamente ele dirigia o cotovelo à sua garganta peluda. Logo, ele percebeu o que acontecia e lançou Ga-nor para longe. Quando fez isso, o guerreiro puxou o machado e, atacando com a fúria do desespero, partiu a cabeça do monstro.

Por um instante, Ga-nor cambaleou sobre seu inimigo, e depois sentiu uma forma macia entre seus braços e viu um lindo rosto, próximo ao seu.

- Ga-nor! – sussurrou A-aea, e Ga-nor carregou a garota nos braços.

- Cuidarei daquilo pelo que lutei. – ele disse.

E foi assim que a garota, que adentrou a floresta nos braços de um raptor, voltou nos braços de um amado e companheiro.





(*) - No texto original, R.E. Howard diz que Ga-nor media “bem mais do que 6 pés”. Seis pés equivalem a 1m83, enquanto 7 pés são 2m13. Me pareceu razoável deduzir a altura de Ga-nor como mais de 1m90 (Nota do Tradutor)




Tradução: Fernando Neeser de Aragão

Fonte: http://gutenberg.net.au/ebooks06/0607951h.html
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