O Portador do Anel

(por Robert E. Howard)


Quando entrei no gabinete de John Kirowan, eu estava absorvido demais em meus próprios pensamentos para notar, a princípio, o aspecto ansioso de seu visitante, um grande e belo jovem companheiro, a quem conheço muito bem.

- Olá, Kirowan. – cumprimentei – Olá, Gordon. Há tempos que não os vejo. Como vai Evelyn? – E, antes que ele pudesse responder, ainda no auge do entusiasmo que havia me levado para lá, exclamei: – Vejam aqui, companheiros; consegui algo que fará vocês arregalarem os olhos! Eu a adquiri do ladrão Ahmed Mektub, e paguei caro, mas vale a pena. Vejam!

De dentro de meu casaco, tirei a adaga afegã, com o cabo incrustado de jóias, que me fascinou como colecionador de armas raras.

Kirowan, familiarizado com minha paixão, mostrou apenas interesse cortês, mas o efeito em Gordon foi chocante.

Com um estranho grito, ele deu um pulo para trás, derrubando a cadeira ao chão. Os punhos se fecharam e, com o rosto pálido, ele me encarou, gritando:

- Para trás! Fique longe de mim, ou...

Meus passos se congelaram.

- O que... – comecei a falar, perplexo, quando Gordon, com outra assombrosa mudança de atitude, se sentou pesadamente numa cadeira e afundou a cabeça nas mãos. Vi seus ombros fortes tremerem. Sem saber o que fazer, mudei o olhar para Kirowan, que parecia igualmente assombrado.

- Ele está bêbado? – perguntei.

Kirowan sacudiu a cabeça e, enchendo um copo de conhaque, o ofereceu ao homem. Gordon olhou para cima, com expressão desvairada, agarrou a bebida e a engoliu como um homem meio esfomeado. Então, ele se ergueu, empertigado, e nos olhou, envergonhado.

- Desculpe por eu me descontrolar, O’Donnel. – ele disse – Foi o choque inesperado de você ter puxado essa faca.

- Bem – repliquei, com certa repugnância –, suponho que você pensou que eu ia lhe apunhalar com ela.

- Sim, eu pensei! – Logo, diante da expressão totalmente vazia em meu rosto, ele acrescentou: – Ah, na verdade, eu não pensei isso; pelo menos, não cheguei a essa conclusão por nenhum processo de raciocínio. Foi apenas o cego instinto primitivo de um homem perseguido, contra quem a mão de qualquer um pode se virar.

Suas palavras estranhas, e a maneira desesperada como ele as disse, fizeram um estranho calafrio de apreensão sem nome descer pela minha espinha.

- Do que está falando? – indaguei, ansioso – Perseguido? Por quê? Você nunca cometeu um crime em sua vida.

- Não nesta vida, talvez. – ele murmurou.

- O que quer dizer?

- E se a punição por um crime negro, cometido numa vida anterior, estiver me caçando? – ele resmungou.

- Isto é bobagem. – ri alto.

- Ah, é? – ele exclamou, ofendido – Já ouviu falar em meu bisavô, Sir Richard Gordon de Argyle?

- Claro; mas o que isso tem a ver com...

- Você já viu o retrato dele: ele não se assemelha a mim?

- Bem, sim – admiti –, exceto que a sua expressão é franca e saudável, enquanto a dele é ardilosa e cruel.

- Ele assassinou a própria esposa. – respondeu Gordon – Suponhamos que a teoria da reencarnação fosse verdade. Por que um homem não poderia sofrer, numa vida, por um crime cometido em outra?

- Quer dizer que você acha que é a reencarnação de seu bisavô? De todas as coisas fantásticas... bom, tendo ele matado a esposa, imagino que você estará esperando que Evelyn assassine você! – Esta última frase foi lançada com seco sarcasmo, enquanto eu pensava na garota doce e meiga com a qual Gordon se casara. Sua resposta me espantou.

- Minha esposa – ele falou lentamente – tentou me matar três vezes na semana passada.

Não houve resposta àquilo. Olhei desesperado para John Kirowan. Estava sentado em sua posição costumeira, o queixo repousando em suas mãos fortes e magras; seu rosto alvo estava imóvel, mas seus olhos escuros brilhavam de curiosidade. No silêncio, eu ouvia um relógio batendo como um presságio de morte.

- Conte-nos toda a história, Gordon. – sugeriu Kirowan, e sua voz calma e serena era como uma faca que corta um sufocamento, aliviando a tensão irreal.

- Vocês sabem que somos casados há menos de um ano. – Gordon começou a falar, mergulhando na história como se estivesse rompendo-se na pronúncia; suas palavras tropeçando umas nas outras – Todos os casais têm brigas, mas nunca tivemos quaisquer desavenças sérias. Evelyn é a garota de melhor índole do mundo.

“A primeira coisa fora do comum ocorreu há quase uma semana. Havíamos dirigido pelas montanhas acima, saído do carro, e estávamos perambulando aqui e ali, pegando flores silvestres. Finalmente, chegamos a uma inclinação íngreme, de uns 9 metros de altura, e Evelyn chamou minha atenção para as flores que cresciam abundantemente ao pé da inclinação. Eu estava olhando por cima da beirada e imaginando se eu poderia descer sem rasgar minhas roupas, quando senti um violento empurrão por trás, o qual me derrubou.

“Se fosse um penhasco perpendicular, eu teria quebrado meu pescoço. Do jeito que ele era, desci aos tropeços, rolando e escorregando, e cheguei ao fundo arranhado e contundido, com minhas roupas em farrapos. Olhei para cima e vi Evelyn olhando fixamente para baixo, aparentemente assustada além da razão.

“‘Oh, Jim!’, ela gritou. ‘Está ferido? Como caiu?’

“Eu estava prestes a dizê-la que aquilo era levar longe demais uma brincadeira, mas aquelas palavras me frearam. Resolvi que ela devia ter se esbarrado em mim sem querer, e que na verdade não sabia ter sido ela quem me derrubara do penhasco.

“Então, não dei importância e fui para casa. Ela ficou extremamente preocupada comigo, insistiu em limpar meus arranhões com iodo, e me fez um sermão pela minha falta de cuidado! Não tive coragem de dizê-la que foi culpa dela.

“Mas, quatro dias depois, o fato posterior aconteceu. Eu caminhava sozinho pela nossa passagem de veículo, quando a vi se aproximando no automóvel. Pisei na grama para deixá-la passar, pois não há nenhum meio-fio ao longo da passagem. Ela sorria enquanto se aproximava de mim, e diminuiu a velocidade, como se fosse falar comigo. Então, pouco antes dela me alcançar, uma mudança muito horrível aconteceu em sua expressão. Sem aviso, o carro se lançou em minha direção como uma coisa viva, enquanto ela afundava o pé no acelerador. Somente um pulo desvairado para trás me salvou de ser moído sob as rodas. O carro disparou pelo gramado e se espatifou numa árvore. Corri até ela e encontrei Evelyn atordoada e histérica, mas ilesa.

“Eu a carreguei para dentro de casa e a mandei para o Doutor Donnely. Ele não encontrou nada de sério nela, e atribuiu sua condição aturdida ao medo e ao choque. Em meia-hora, ela recuperou seus sentidos normais, mas se recusou a tocar no volante desde então. Estranho dizer, ela parecia menos assustada no próprio relato que no meu. Parecia saber vagamente que quase me atropelou, e ficou novamente histérica quando falou nisso. Contudo, parecia ter certeza de que eu sabia que a máquina havia se descontrolado. Mas eu a vi claramente girar o volante, e sabia que ela deliberadamente tentou me atingir... só Deus sabe por quê.

“Ainda assim, me recusei a deixar minha mente seguir o canal onde ela estava entrando. Evelyn nunca tinha dado qualquer evidência de fraqueza psicológica ou ‘um ataque de nervos’; ela sempre foi uma garota equilibrada, saudável e normal. Mas comecei a achar que ela estava sujeita a impulsos loucos. Muitos de nós já sentimos o impulso de pular de prédios altos. E, às vezes, uma pessoa sente um anseio cego, infantil e totalmente irracional de ferir alguém. A gente pega uma pistola, e subitamente entra em nossa cabeça o pensamento de como seria fácil mandar nosso amigo, que está sorridente e desprevenido, para a eternidade com um toque no gatilho. Claro que não o fazemos, mas o impulso está lá. Então pensei que alguma falta de disciplina tornou Evelyn suscetível a estes impulsos desorientados, e incapaz de controlá-los”.

- Bobagem. – eu interrompi – Eu a conheço desde que ela era um bebê. Se ela tiver qualquer traço de caráter desse tipo, ela o desenvolveu desde que casou com você.

Foi uma observação infeliz. Gordon se levantou subitamente, com um brilho desesperado nos olhos:

- É exatamente isto... desde que casou comigo! É uma maldição... uma negra e medonha maldição, rastejando como uma serpente do passado! Eu lhes digo, eu era Richard Gordon, e ela... ela era Lady Elizabeth, sua esposa assassinada! – Sua voz diminuiu até um sussurro de gelar o sangue.

Estremeci: é uma coisa medonha assistir à ruína de um cérebro agudo e honesto, e foi certamente isso o que observei em James Gordon. Por que ou como, ou por qual horrível acaso aconteceu, eu não conseguiria dizer, mas eu tinha certeza de que o homem estava louco.

- Você falou em três atentados. – Era a voz de John Kirowan novamente, calma e estável em meio a teias acumuladas de horror e irrealidade.

- Veja aqui! – Gordon levantou o braço, puxou a manga e mostrou uma bandagem, cujo significado oculto era intolerável.

- Entrei no banheiro esta manhã, procurando pela minha navalha de barbear. – ele disse – Encontrei Evelyn bem a ponto de usar minha melhor ferramenta de barbear para algum propósito feminino, cortar algum molde de costureira ou algo semelhante. Como muitas mulheres, ela parece não conseguir perceber a diferença entre uma lâmina de barbear, uma faca de açougueiro ou uma tesoura.

“Eu estava um pouco irritado e disse: ‘Evelyn, quantas vezes já lhe falei para não usar minha lâmina de barbear para estas coisas? Traga-a para cá; lhe darei meu canivete’.

“‘D-d-desculpe, Jim’, ela disse. ‘Eu não sabia que isso estragaria o barbeador. Aqui está’.

“Ela avançava, segurando o barbeador em minha direção. Eu estendi a mão até ele... então, algo me preveniu. Era a mesma expressão nos olhos dela, exatamente como eu a tinha visto no dia em que ela quase me atropelou. Foi tudo o que salvou minha vida, pois eu instintivamente levantei a mão no exato momento em que ela tentou cortar minha garganta com toda a força. A lâmina fez um talho em meu braço, como podem ver, antes que eu lhe segurasse o punho. Por um instante, ela lutou comigo, como se fosse uma coisa selvagem; seu corpo esguio estava retesado como aço sob minhas mãos. Então, ela amoleceu, e a expressão em seus olhos foi substituída por um estranho olhar aturdido. O barbeador lhe escorregou das mãos.

“Eu a soltei, e ela ficou oscilando, como se estivesse prestes a desmaiar. Fui à pia... meu ferimento estava sangrando de forma brutal... e logo em seguida, eu a ouvi gritar, e ela estava hesitando sobre mim.

“‘Jim!’, ela gritou. ‘Como foi que você se cortou tão terrivelmente?’”.

Gordon sacudiu a cabeça e suspirou pesadamente:

- “Acho que eu estava um pouco louca. Meu autocontrole se quebrou”, ela disse.

“‘Não continue com esta pretensão, Evelyn’, eu falei. ‘Só Deus sabe o que se passa dentro de você, mas você sabe tanto quanto eu que tentou me matar três vezes na última semana’.

“Ela recuou, como se eu a tivesse batido, agarrou o peito e me olhou como se eu fosse um fantasma. Ela não disse uma palavra... e não me lembro do que falei naquele momento. Mas quando terminei, eu a deixei lá, branca e imóvel como uma estátua de mármore. Enfaixei meu braço numa drogaria, e depois vim para cá, sem saber mais o que fazer.

“Kirowan... O’Donnel... é abominável! Ou minha esposa está propensa a acessos de loucura...” ele reprimiu a palavra. “Não, não posso acreditar! Normalmente, os olhos dela são tão claros e sensatos... completamente razoáveis. Mas, toda vez em que ela tem oportunidade de me ferir, parece se tornar temporariamente louca”.

Ele bateu os punhos um contra o outro, em sua impotência e agonia.

- Mas não é insanidade! Eu trabalhava numa enfermaria de psicopatas, e já vi todas as formas de desequilíbrio mental. Minha esposa não é louca!

- Então o que... – comecei a falar, mas ele virou os olhos perturbados para mim.

- Só resta uma alternativa. – ele respondeu – É a velha maldição... dos dias em que caminhei pela terra, com um coração tão negro quanto as covas mais escuras do inferno, e pratiquei o mal aos olhos do homem e de Deus. Ela sabe, em rápidos vislumbres de lembrança. As pessoas já viram antes... já vislumbraram coisas proibidas, em elevações temporárias do véu que separa a vida da vida. Ela era Elizabeth Douglas, a infeliz esposa de Richard Gordon, a quem ele matou num delírio de ciúmes, e a vingança é dela. Morrerei por suas mãos, como destinado. E ela... – ele inclinou a cabeça para dentro das mãos.

- Só um momento. – Era Kirowan novamente – Você mencionou uma estranha expressão nos olhos de sua esposa. Que tipo de expressão? Era delírio de loucura?

Gordon sacudiu a cabeça:

- Era um total vazio. Toda a vida e inteligência simplesmente desapareciam, tornando os olhos poços escuros de vazio.

Kirowan balançou a cabeça, e fez uma pergunta aparentemente irrelevante:

- Você tem algum inimigo?

- Não que eu saiba.

- Você esqueceu de Joseph Roelocke. – eu disse – Não consigo imaginar aquele sofisticado elegante se dando ao trabalho de lhe causar algum verdadeiro dano, mas imagino que, se ele pudesse lhe incomodar sem nenhum esforço físico da parte dele, o faria com uma perfeita boa-vontade.

Kirowan me virou um olhar subitamente penetrante.

- E quem é este Joseph Roelocke?

- Um jovem requintado, que entrou na vida de Evelyn, e quase a conquistou por algum tempo. Mas, no final, ela voltou para seu primeiro amor... Gordon, aqui presente. Roelocke não gostou nada disso. Apesar de toda a sua suavidade, há um traço de violência e fúria capaz de aflorar, se não fosse por sua indolência infernal e sofisticada indiferença.

- Ah, não há nada a ser dito contra Roelocke. – interrompeu Gordon, impacientemente – Ele deve saber que Evelyn nunca o amou de verdade. Ele apenas a fascinou temporariamente com seu romântico ar latino.

- Não exatamente latino, Jim. – afirmei – Roelocke parece mesmo estrangeiro, mas não é latino. É quase oriental.

- Bem, o que Roelocke tem a ver com este assunto? – rosnou Gordon, com a irritabilidade de nervos alterados – Ele tem sido tão amigável quanto um homem poderia ser, desde que Evelyn e eu nos casamos. Na verdade, há apenas uma semana, ele a enviou um anel, o qual disse ser uma oferta de paz e um presente tardio de casamento. Apesar de tudo o que foi dito, a rejeição dela a ele foi uma calamidade maior para ela do que para ele... aquele imbecil presunçoso!

- Um anel? – Kirowan subitamente voltou a si, como se algo duro e inflexível tivesse soado nele – Que tipo de anel?

- Ah, uma coisa fantástica... de cobre, feito na forma de uma serpente escamosa enrolada três vezes, com a cauda na boca, e os olhos feitos de jóias amarelas. Minha conclusão é a de que ele o arranjou em algum lugar da Hungria.

- Ele viajou muito pela Hungria?

Gordon parecia surpreso com esta pergunta, mas respondeu:

- Bem; aparentemente, o homem viajou por todos os lugares. Para mim, não passa de um filho mimado de um milionário. Ele nunca trabalhou, até onde sei.

- Ele é um grande estudante. – intervim – Já visitei seu apartamento várias vezes, e nunca vi tamanha coleção de livros...

Gordon se ergueu de um pulo.

- Estão todos loucos? – ele gritou – Vim para cá, na esperança de conseguir ajuda... e vocês, companheiros, se põem a falar em Joseph Roelocke. Eu vou ao Doutor Donnelly...

- Espere! – Kirowan estirou a mão, fazendo-o parar – Se você não se importa, passaremos em sua casa. Gostaria de conversar com sua esposa.

Gordon assentiu silenciosamente. Assolado e perseguido por pressentimentos medonhos, ele não sabia qual o caminho a tomar, e acolhia qualquer coisa que prometesse ajuda.

Seguimos em seu carro, e mal falamos uma palavra no caminho. Gordon estava afundado em reflexões taciturnas, e Kirowan se recolhera para dentro de algum território afastado de pensamento, além da minha percepção. Estava sentado feito uma estátua, seus escuros olhos vivos fixos no espaço – não vazios, mas como os de alguém que olha com entendimento para algum domínio distante.

Embora tivesse considerado o homem como meu melhor amigo, eu pouco sabia de seu passado. Ele havia adentrado minha vida, tão abruptamente e sem aviso quanto Joseph Roelocke havia entrado na de Evelyn Ash. Eu o conhecera no Clube do Aventureiro, o qual é composto pela deriva do mundo – viajantes, esquisitões e todo tipo de homens cujos caminhos estão fora das pegadas trilhadas da vida. Eu fora cativado por ele, e intrigado por suas estranhas capacidades e profundo conhecimento. Eu sabia vagamente que ele era a ovelha negra e filho mais novo de uma família irlandesa com título de nobreza, e que ele andara por muitos caminhos estranhos. A menção que Gordon fez da Hungria tocou uma corda de minha memória: uma fase da vida de Kirowan era fragmentária. Eu só sabia que ele havia passado por uma dor amarga e um mal feroz, e que havia sido na Hungria. Mas a natureza do episódio me era desconhecida.

Na casa de Gordon, Evelyn nos recebeu calmamente, mostrando agitação íntima somente por causa de sua natureza bastante contida. Vi o olhar suplicante que ela lançou furtivamente ao marido. Era uma garota esguia e de fala suave, cujos olhos escuros eram sempre vibrantes e resplandecentes de emoção. Aquela criança tentar assassinar seu adorado marido? A idéia era monstruosa. Mais uma vez eu me convencia de que James Gordon estava perturbado.

Seguindo Kirowan, simulamos uma pequena conversa, como se tivéssemos aparecido casualmente, mas percebi que Evelyn não se deixou enganar. Nossa conversa soou falsa e vazia, e dali a pouco, Kirowan disse:

- Sra. Gordon, que anel extraordinário você está usando. Você se importa se eu olhá-lo?

- Terei que lhe dar minha mão. – ela riu – Já tentei tirá-lo hoje, e ele não sai.

Ela estendeu a mão para Kirowan examinar, e o rosto dele estava imóvel, enquanto olhava para a serpente de metal que se enrolava ao redor do dedo esguio dela. Ele não o tocou. Senti uma inexplicável repugnância. Havia algo quase obsceno ao redor daquele inerte réptil de cobre, enrolado no dedo branco da garota.

- Tem um aspecto maligno, não? – Ela tremeu involuntariamente – No início, eu gostei, mas agora mal agüento olhar para ele. Se eu conseguir tirá-lo, pretendo devolvê-lo a Joseph... ao Sr. Roelocke.

Kirowan estava prestes a dar uma resposta, quando soou a campainha. Gordon pulou como um raio, e Evelyn se ergueu rapidamente.

- Eu atendo, Jim... eu sei quem é.

Ela voltou no instante seguinte, com mais dois amigos mútuos, aqueles companheiros inseparáveis: o Doutor Donnelly, cujo corpo robusto, ar jovial e voz retumbante se combinavam com um cérebro tão agudo quanto o de qualquer um de sua profissão; e Bill Bain – de idade madura, magro, duro e flexível como arame, e acidamente espirituoso. Ambos eram amigos da família Ash. O Dr. Donnelly havia acompanhado Evelyn pelo mundo, e Bain para ela sempre foi Tio Bill.

- Olá, Jim! Olá, Sr. Kirowan! – bramiu Donnelly – Ei, O’Donnel, tem alguma arma de fogo com você? Na última vez, você quase me arrancou a cabeça, me mostrando uma velha espingarda de pederneira, que aparentemente não estava carregada!

- Doutor Donnelly!

Todos nos viramos. Evelyn estava ao lado de uma mesa larga, segurando-a como que para se sustentar. Seu rosto estava branco. Nossa conversa descontraída parou instantaneamente. Havia uma súbita tensão no ar.

- Doutor Donnelly. – ela repetiu, se esforçando para manter a voz no lugar – Mandei chamá-lo e ao Tio Bill... pelo mesmo motivo pelo qual sei que Jim trouxe o Sr. Kirowan e Michael. Há um assunto o qual Jim e eu não podemos mais tratar sozinhos. Há algo entre nós... algo obscuro, medonho e terrível.

- Do que está falando, garota? – Toda a frivolidade havia desaparecido da grande voz de Donnelly.

- Meu marido... – ela ficou muda, e logo continuou cegamente: – Meu marido me acusou de tentar assassiná-lo.

O silêncio que caiu foi quebrado pela súbita e enérgica elevação de voz de Bain. Seus olhos ardiam em chamas e seus pulsos tremiam.

- Seu fedelho, filho de um cão! – ele gritou para Gordon – Vou lhe surrar...

- Sente-se, Bill! – A enorme mão de Donnelly afundou o companheiro menor de volta à sua cadeira – Não aja precipitadamente. Prossiga, querida.

- Precisamos de ajuda. Não podemos suportar isto sozinhos. – Uma sombra lhe cruzou o rosto gracioso – Nesta manhã, o braço de Jim estava gravemente cortado. Ele disse que fui eu. Não sei. Eu estava entregando a navalha de barbear para ele. Então, devo ter desmaiado. Pelo menos, tudo desvaneceu. Quando voltei a mim, ele estava lavando o braço na pia... e... e ele me acusou de tentar matá-lo.

- Ora! Esse jovem idiota! – vociferou o beligerante Bain – Será que ele não tem bom-senso suficiente para saber que, se você o cortou, foi um acidente?

- Vai calar a boca ou não? – roncou Donnelly – Querida, você disse que desmaiou? Isso não tem a ver com você.

- Tenho tido breves desmaios. – ela respondeu – A primeira vez foi quando estávamos nas montanhas, e Jim caiu de um penhasco. Estávamos na beirada... logo, tudo ficou escuro, e quando minha visão clareou, ele estava rolando inclinação abaixo. – Ela estremeceu ao lembrar.

“Depois, quando perdi o controle do carro e ele se espatifou na árvore. Você se lembra... Jim lhe falou”.

O Doutor Donnelly balançou a cabeça, pensativo.

- Não me lembro de você já ter tido breves desmaios antes.

- Mas Jim diz que eu o empurrei do penhasco! – ela gritou, histérica – Ele diz que eu o tentei atropelar! Ele diz que eu o cortei de propósito com o barbeador!

O Doutor Donnelly se voltou, perplexo, para o infeliz Gordon:

- E sobre isto, filho?

- Deus me ajude – Gordon explodiu em tormento –, é verdade!

- Ora, seu cão mentiroso! – Era Bain quem gritava, se erguendo novamente de um pulo – Se você quer um divórcio, por que não o realiza de forma decente, ao invés de recorrer a estas táticas desprezíveis...

- Maldito! – urrou Gordon, investindo para o alto e perdendo totalmente o controle – Se você disser isso, eu lhe arranco a jugular!

Evelyn gritou; Donnelly agarrou Bain pesadamente e o lançou de volta à cadeira sem maiores toques de gentileza, e Kirowan pôs levemente a mão sobre o ombro de Gordon. O homem parecia ter entrado em colapso. Ele caiu de volta à sua cadeira e estendeu as mãos, tateando em direção à esposa.

- Evelyn – ele disse, com a voz cheia de emoção sofrida –, você sabe que eu te amo. Me sinto como um cão. Mas, Deus me ajude, é verdade. Se continuarmos assim, serei um homem morto, e você...

- Não diga isso! – ela gritou – Eu sei que você não mentiria para mim, Jim. Se você diz que eu tentei lhe matar, eu sei que tentei. Mas eu juro, Jim, eu não o fiz conscientemente. Oh, eu devo estar enlouquecendo. É por isso que meus sonhos têm sido tão violentos e apavorantes ultimamente...

- Com o que tem sonhado, Sra. Gordon? – perguntou Kirowan gentilmente.

Ela apertou as mãos nas têmporas e o encarou entorpecida, como se só compreendesse pela metade.

- Uma coisa negra. – ela murmurou – Uma horrível coisa negra sem rosto, que faz caretas, resmunga e agita as mãos simiescas sobre mim. Sonho com ela todas as noites. E, de dia, tento matar o único homem que já amei. Estou enlouquecendo! Talvez eu já esteja louca e não saiba.

- Se acalme, querida. – Para o Dr. Donnelly, com toda a sua ciência, era apenas mais um caso de histeria feminina. Sua voz positiva parecia acalmá-la; ela suspirou e passou uma mão cansada pelos cachos molhados.

- Vamos falar sobre tudo isto, e tudo ficará bem. – ele disse, puxando um grosso charuto do bolso do casaco – Dê-me um fósforo, querida.

Ela começou a apalpar mecanicamente ao redor da mesa, no momento em que Gordon disse, também mecanicamente:

- Há fósforos na gaveta, Evelyn.

Ela abriu a gaveta e começou a tatear dentro dela, quando subitamente, como se tomado por lembrança e intuição, Gordon se ergueu de um pulo, com o rosto pálido, e gritou:

- Não, não! Não abra aquela gaveta... não...

Enquanto ele emitia aquele grito urgente, ela se enrijeceu, como se sentisse algo na gaveta. Sua mudança de expressão congelou a todos nós, inclusive Kirowan. A inteligência vital desapareceu dos olhos dela, como uma chama apagada, e chegou até eles o olhar que Gordon descrevera como vazio. O termo era descritivo. Seus belos olhos eram poços escuros de vácuo, como se a alma tivesse sido tirada de trás deles.

Sua mão saiu da gaveta, segurando uma pistola, e ela atirou sem cerimônia. Gordon cambaleou com um gemido, o sangue lhe saindo da cabeça. Por um breve instante, ela olhou estupidamente para baixo, em direção à arma fumegante em sua mão, como alguém que acorda repentinamente de um pesadelo. Logo, seu desvairado grito de agonia golpeou nossos ouvidos.

- Oh, Deus! Eu o matei! Jim! Jim!

Ela o alcançou antes que qualquer um de nós, se lançando de joelhos e deitando a cabeça dele nos joelhos dela, enquanto soluçava num insuportável sentimento de horror e angústia. O vazio havia ido embora de seus olhos; eles estavam vivos e dilatados com mágoa e terror.

Eu estava me dirigindo ao meu amigo caído, com Donnelly e Bain, mas Kirowan me pegou pelo braço. O rosto dele não estava mais imóvel; seus olhos cintilavam com uma selvageria controlada.

- Deixe-o com eles! – ele rosnou – Somos caçadores, não médicos! Leve-me à casa de Joseph Roelocke!

Não o questionei. Nos dirigimos para lá, no carro de Gordon.

Eu estava ao volante, e algo ao redor do rosto sombrio de meu camarada me fez apressar a máquina temporariamente pelo tráfego. Eu tinha a sensação de ser parte de um trágico drama, o qual corria com velocidade temerária para um terrível clímax.

Parei bruscamente o carro, no meio-fio diante do prédio, onde Roelocke morava num apartamento bizarro, lá no alto da cidade. O próprio elevador, que nos levava rapidamente ao céu, parecia impregnado com algo da insistência de Kirowan por pressa. Apontei a porta da casa de Roelocke, e ele a abriu sem bater e abriu seu caminho para dentro. Eu estava perto de seus calcanhares.

Roelocke, em seu roupão de seda chinesa, bordado com dragões, se reclinava num divã, tirando rápidas baforadas de um cigarro. Ele se ergueu, sentando-se no divã e derrubando um copo de vinho, o qual se encontrava ao lado de uma garrafa meio cheia, próxima ao seu cotovelo.

Antes que Kirowan pudesse falar, soltei nossas notícias:

- James Gordon foi baleado!

Ele se ergueu de um pulo:

- Baleado? Quando? Quando foi que ela o matou?

- Ela? – olhei ferozmente, com perplexidade – Como você sabia...?

Com uma mão de aço, Kirowan me empurrou para um lado e, quando os homens encararam um ao outro, vi o reconhecimento encolerizar o rosto de Roelocke. Faziam um estranho contraste: Kirowan, alto, pálido com ódio em brasa; Roelocke, magro, sombriamente belo, com o arco sarracênico de suas sobrancelhas finas sobre os olhos negros. Percebi que, qualquer outra coisa que ocorrera, havia sido entre aqueles dois homens. Eles não eram estranhos: eu podia sentir, como uma coisa terrível, o ódio que havia entre eles.

- John Kirowan! – sussurrou Roelocke suavemente.

- Você lembra de mim, Yosef Vrolok! – Somente um controle férreo mantinha a voz de Kirowan estável. O outro simplesmente o encarava sem falar.

- Anos atrás – disse Kirowan mais calmamente –, quando investigávamos mistérios sombrios, juntos em Budapeste, eu vi para onde você estava se deixando levar. Recuei; eu não desceria às profundezas repugnantes nas quais você afundou. E, por causa disso, você me menosprezou e roubou a única mulher que amei; você a jogou contra mim, através de suas artes vis, e depois a degradou e corrompeu; afundou-a dentro de seu próprio lodo imundo. Eu teria na época lhe matado com as próprias mãos, Yosef Vrolok... vampiro por natureza, tanto quanto por nome... mas suas artes lhe protegeram de vingança física. Contudo, você finalmente armou uma cilada para si mesmo!

A voz de Kirowan se ergueu em feroz exultação. Toda a sua moderação refinada lhe fora varrida para longe, deixando um homem primitivo e elementar rugindo e exultando sobre um inimigo odiado.

- Você buscou a destruição de James Gordon e sua esposa, porque ela inconscientemente escapou de sua cilada; você...

Roelocke encolheu os ombros e riu:

- Você está louco! Há semanas que não vejo os Gordons. Por que me culpar pelos problemas familiares deles?

Kirowan rosnou:

- Mentiroso como sempre. O que foi que disse agora há pouco, quando O’Donnel lhe contou que Gordon fora baleado? “Quando foi que ela o matou?”. Você esperava ouvir que a garota havia matado o marido. Seus poderes psíquicos haviam lhe dito que um clímax estava prestes a acontecer. Você estava aguardando apreensivamente por notícias do sucesso de seu plano diabólico.

“Mas não precisei de um deslize de sua língua para reconhecer seu trabalho. Eu soube, assim que vi o anel no dedo de Evelyn Gordon; o anel que ela não conseguia remover: o antigo e amaldiçoado anel de Thoth-Amon, passado de geração a geração por cultos abomináveis de sacerdotes, desde os dias da esquecida Stygia. Eu sabia que o anel era seu, e sabia através de quais horríveis rituais você chegou a possuí-lo. E eu conhecia seu poder. Uma vez que ela o colocou no dedo, em sua inocência e desconhecimento, ela ficou em seu poder. Através de sua magia negra, você convocou o negro espírito elemental, o portador do anel, desde os golfos da Noite e das eras. Aqui, no seu maldito quarto, você executou rituais execráveis para tirar a alma de Evelyn Gordon do corpo dela, e fazer com que aquele corpo fosse possuído pelo espírito perverso que vive do outro lado do universo.

“Ela era pura e saudável demais, o amor dela pelo marido era forte demais para que o demônio adquirisse posse completa e permanente do corpo dela; apenas por breves instantes, ele conseguia mandar o espírito dela para dentro do vazio e animar-lhe o corpo. Mas aquilo era suficiente para seu propósito. Contudo, você trouxe a ruína para cima de você mesmo, com sua vingança!”.

A voz de Kirowan se ergueu a um guincho felino.

- Qual era o preço exigido pelo demônio que você tirou dos Abismos? Há, você hesitou! Yosef Vrolok não é o único homem que aprendeu segredos proibidos! Depois que deixei a Hungria, na condição de homem arruinado, me dediquei ao estudo das artes negras, para lhe armar uma cilada, sua serpente bajuladora! Explorei as ruínas de Zimbábue, as montanhas perdidas do interior da Mongólia e as esquecidas selvas das ilhas dos mares meridionais. Aprendi coisas que me causaram náuseas na alma, de modo que reneguei o ocultismo para sempre; mas fui informado do espírito negro que dá a morte pela mão de um ser amado, e é controlado por um mestre de magia.

“Mas, Yosef Vrolok, você não é um perito! Não tem poder para controlar o demônio que invocou. E você vendeu sua alma!”.

O húngaro puxou violentamente o colar, como se fosse um laço de estrangulador. Sua expressão havia mudado, como se uma máscara tivesse caído; parecia bem mais velho.

- Está mentindo! – ele ofegou – Não prometi minha alma a ele...

- Eu não minto! – o grito agudo de Kirowan estava chocante em sua selvagem exultação – Conheço o preço que um homem deve pagar por provocar o vulto sem forma que vaga pelos golfos da Escuridão. Veja! Ali, no canto atrás de você! Uma coisa cega e sem nome está rindo... está zombando de você! Já realizou sua barganha e veio lhe buscar, Yosef Vrolok!

- Não! Não! – guinchou Vrolok, arrancando o colar flexível do pescoço suado. Sua tranqüilidade havia caído, e sua desmoralização era repugnante de se ver – Eu lhe digo que não era minha alma... prometi uma alma a ele, mas não a minha... ele deve levar a alma da garota, ou a de James Gordon.

- Idiota! – urrou Kirowan – Pensa que ele poderia levar as almas de inocentes? Que ele não saberia que eles estão além do alcance? À garota e ao jovem ele poderia matar; as almas deles não são dele para levar, nem suas para levar. Mas sua alma negra não está além do alcance dele, e ele terá sua recompensa. Veja! Está se materializando atrás de você! Está deixando de ser transparente!

Foi a hipnose, inspirada pelas palavras causticantes de Kirowan, que me fez estremecer e meu sangue gelar; sentir um arrepio gelado, que não era da terra, se espalhar pela sala? Era um truque de luz e sombra que parecia produzir o efeito de uma negra sombra antropomórfica atrás do húngaro? Não, pelos céus! Ela crescia, ela se avolumava... Vrolok não se virou. Ele encarava Kirowan com olhos que saltavam da cabeça, o cabelo enrijecendo no couro cabeludo e o suor lhe pingando do rosto pálido.

O grito de Kirowan começou a estremecer minha espinha.

- Olhe atrás de você, imbecil! Eu o vejo! Ele veio! Está aqui! Sua boca pavorosa se escancara em medonha gargalhada! Suas patas disformes procuram por você!

Então, Vrolok finalmente se virou, com um guincho medonho, lançando os braços acima da cabeça num gesto de desespero selvagem. Por um instante de abalar o cérebro, ele foi eclipsado por uma grande sombra negra... Kirowan agarrou meu braço, e fugimos daquele quarto maldito, cegos de horror.


O mesmo jornal que abordou uma pequena notícia, falando sobre James Gordon ter sofrido um leve ferimento na cabeça com o tiro acidental de uma pistola, deu título à morte súbita de Joseph Roelocke, um rico e excêntrico freqüentador de clube, em seu suntuoso apartamento – aparentemente de colapso cardíaco.

Eu o li no café da manhã, enquanto bebia xícara após xícara de café preto, de uma mão que não era tão firme, mesmo após o lapso de uma noite. Do outro lado da mesa, Kirowan também parecia não ter apetite. Ele meditava, como se houvesse percorrido novamente por anos passados.

- A fantástica teoria de Gordon sobre reencarnação foi bastante desvairada. – eu finalmente disse – Mas os fatos reais são ainda mais incríveis. Diga-me, Kirowan, a última cena foi efeito de hipnose? Foi o poder de suas palavras que me fez parecer ver um horror negro brotando do ar e arrancou a alma de Yosef Vrolok de seu corpo vivo?

Ele sacudiu a cabeça:

- Nenhuma hipnose humana derrubaria morto ao chão aquele demônio de coração negro. Não; há seres além do alcance da humanidade comum, formas repugnantes de mal transcósmico. Foi com uma delas que Vrolok negociou.

- Mas, como aquilo conseguiu reclamar a alma dele? – insisti – Se de fato uma terrível barganha havia sido fechada, aquilo não havia cumprido sua parte, pois James Gordon não estava morto, mas apenas inconsciente.

- Vrolok não sabia disso. – respondeu Kirowan – Ele pensou que Gordon estivesse morto, e eu o convenci de que ele próprio estava numa cilada, e que estava condenado. Em sua desmoralização, ele foi presa fácil da coisa à qual havia suscitado. Aquilo, é claro, estava sempre à espera de um momento de fraqueza por parte dele. Os poderes das Trevas nunca negociam positivamente com seres humanos; quem negocia com eles é sempre trapaceado no final.

- É um louco pesadelo. – murmurei – Mas me parece, então, que você, tanto quanto qualquer outra coisa, causou a morte de Vrolok.

- É agradável pensar assim. – Kirowan respondeu – Evelyn Gordon está a salvo; e isto é um pequeno pagamento pelo que ele fez com outra garota, anos atrás, num país distante.




Tradução: Fernando Neeser de Aragão

Fonte: http://gutenberg.net.au/ebooks06/0601751h.html
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