Na Floresta de Villefére

(por Robert E. Howard)

Originalmente publicado em Weird Tales, agosto de 1925.


O sol havia se posto. As grandes sombras se espalhavam sobre a floresta. No estranho crepúsculo de um dia de fim de verão, vi a trilha adiante deslizar entre grandes árvores e desaparecer. Estremeci e olhei temerosamente sobre meu ombro. Milhas atrás, ficava a aldeia mais próxima; e, milhas adiante, a seguinte.

Olhei para a esquerda e continuei andando a passos largos para a direita, e logo olhei atrás de mim. Então, parei subitamente, agarrando minha espada de dois gumes e lâmina estreita, quando um pequeno galho quebrado anunciou a vinda de alguma pequena fera. Ou seria uma fera?

Mas a trilha continuava e eu seguia, porque, certamente, eu não tinha mais nada a fazer.

Enquanto seguia, eu refletia: “Meus próprios pensamentos me conduzirão, se eu não souber. O que há nesta floresta, exceto as criaturas que a percorrem – o cervo e coisas parecidas? Bah, essas lendas ridículas desses aldeões!”.

E assim eu segui, e o crepúsculo se transformava em penumbra. Estrelas começavam a piscar e as folhas das árvores sussurravam na brisa fraca. Logo parei subitamente, minha espada pulando até minha mão, pois logo adiante, numa curva de trilha, alguém cantava. Eu não conseguia distinguir as palavras, mas o sotaque era estranho, quase bárbaro.

Caminhei para trás de uma grande árvore, e o suor frio brotou de minha testa. Então, o cantor ficou à vista: um homem alto e magro, indistinto no crepúsculo. Encolhi meus ombros. Um homem eu não temia. Pulei para fora, a ponta de minha espada erguida:

- Pare!

Ele não demonstrou surpresa.

- Por favor, manuseie tua lâmina com cuidado, amigo. – ele disse.

Um tanto envergonhado, abaixei minha espada.

- Sou novo nesta floresta. – eu disse, em tom de desculpa – Ouço rumores sobre bandidos. Peço perdão. Onde fica a estrada para Villefére?

- Corbleu, você a perdeu. – ele respondeu – Você deveria ter se desviado à direita a alguma distância atrás. Eu mesmo estou indo para lá. Se puder ficar comigo, lhe guiarei.

Hesitei. Mas por que eu hesitaria?

- Ora, com certeza. Meu nome é De Montour, da Normandia.

- E eu sou Carolus le Loup.

- Não! – recuei estremecendo.

Ele me olhou assustado.

- Perdão – eu disse –; o nome é estranho. Loup não significa “lobo”?

- Minha família sempre foi de grandes caçadores. – respondeu. Ele não ofereceu sua mão.

- Perdoe-me meu olhar fixo – eu disse, enquanto caminhávamos pela trilha –, mas mal consigo ver seu rosto na penumbra.

Senti que ele estava rindo, embora não fizesse som algum.

- Há pouco para olhar. – ele respondeu.

Aproximei-me com um passo e logo dei um pulo, meu cabelo arrepiado.

- Uma máscara! – exclamei – Por que usa uma máscara, m’sieu?

- É um juramento. – ele exclamou – Ao fugir de um bando de cães de caça, jurei que, se eu escapasse, usaria uma máscara por certo tempo.

- Cães de caça, m’sieu?

- Lobos. – ele respondeu rapidamente – Eu disse lobos.

Caminhamos em silêncio por algum tempo, e então meu companheiro disse:

- Estou surpreso que você caminhe nestas florestas à noite. Poucas pessoas vêm nestes dias, mesmo durante o dia.

- Estou com pressa de alcançar a fronteira. – respondi – Um tratado havia sido assinado com os ingleses, e o Duque de Borgonha deveria saber dele. O povo na aldeia tentou me dissuadir. Falaram de... um lobo que supostamente perambulava por esta floresta.

- Aqui o caminho se desvia para Villefére. – ele disse, e eu vi uma trilha estreita e tortuosa, a qual não vira quando passei por ela antes. Ela guiava para dentro, entre a escuridão das árvores. Estremeci.

- Gostaria de retornar à aldeia?

- Não! – eu exclamei – Não, não! Continue me guiando.

A trilha era tão estreita que caminhávamos em fila única, ele à frente. Eu o olhava bem. Era mais alto, bem mais alto que eu, magro e forte. Vestia uma roupa com toque da Espanha. Uma longa espada fina e reta lhe pendia do quadril. Ele andava com longas passadas tranqüilas e silenciosas.

Então, ele começou a falar de viagens e aventuras. Falava de muitas terras e mares que ele havia visto, e muitas coisas estranhas. Assim caminhávamos e entrávamos cada vez mais na floresta.

Presumi que ele fosse francês, e, no entanto, ele tinha um sotaque muito estranho, o qual não era francês, espanhol nem inglês, nem de qualquer outra linguagem que eu já houvesse escutado. Algumas palavras ele pronunciava estranhamente, e algumas ele não conseguia pronunciar de modo algum.

- Este caminho é usado freqüentemente? – perguntei.

- Não por muitos. – ele respondeu e riu silenciosamente. Estremeci. Estava muito escuro, e as folhas sussurravam juntas entre os galhos.

- Um demônio assombra esta floresta. – eu disse.

- Assim dizem os camponeses – ele respondeu –, mas já a percorri várias vezes e nunca vi o rosto dele.

Então, ele começou a falar de estranhas criaturas da escuridão, a lua se ergueu e sombras deslizavam entre as árvores. Ele ergueu o olhar para a lua.

- Depressa! – ele disse – Temos que alcançar nosso destino, antes que a lua chegue ao seu zênite.

Corremos ao longo do caminho.

- Dizem – eu falei – que um lobisomem assombra estes bosques.

- Pode ser. – ele disse, e discutimos bastante sobre o assunto.

- Dizem as velhas – ele falou – que, se um lobisomem for morto enquanto é um lobo, então ele está morto; mas, se ele for morto enquanto é homem, então sua meia-alma assombrará seu matador para sempre. Mas apressa-te; a lua se aproxima de seu zênite.

Chegamos a uma pequena clareira, iluminada pela lua, e o estranho parou.

- Vamos parar um pouco. – ele disse.

- Não, vamos embora. – insisti – Não gosto deste lugar.

Ele riu silenciosamente.

- Ora. – ele disse – Aqui é uma clareira bonita. Tão boa quanto um salão de banquete, e me deleitei muitas vezes aqui. Há, há, há! Veja, vou te mostrar uma dança.

E ele começou a pular aqui e ali, dali a pouco lançando a cabeça para trás e rindo silenciosamente. Aquele homem é louco, eu pensei.

Enquanto ele executava sua estranha dança, olhei ao meu redor. A trilha não seguia, mas terminava na clareira.

- Venha – eu disse –; temos que prosseguir. Não sentiu o cheiro rançoso e peludo que paira na clareira? Há lobos por aqui. Talvez estejam ao nosso redor e, neste momento, deslizando em nossa direção.

Ele caiu de quatro, pulou mais alto que minha cabeça e veio em minha direção, com um estranho movimento furtivo.

- Essa dança é chamada A Dança do Lobo. – ele disse, e meu cabelo se arrepiou.

- Afaste-se!

Dei um passo para trás e, com um guincho que ressoou de forma estremecedora, ele pulou em minha direção; e, embora uma espada lhe pendesse do cinto, ele não a puxou. Minha lâmina estava meio desembainhada, quando ele agarrou meu braço e me lançou de ponta-cabeça. Eu o arrastei comigo e caímos juntos ao chão. Livrando uma de minhas mãos com um puxão, arranquei a máscara. Um guincho de horror irrompeu de meus lábios. Olhos animalescos cintilavam sob aquela máscara e presas brancas brilhavam ao luar. O rosto era o de um lobo.

Num instante, aquelas presas estavam próximas à minha garganta. Mãos com garras arrancaram a espada de meu punho. Bati naquele rosto horrível com meus punhos fechados, mas suas mandíbulas estavam presas em meus ombros, suas garras tentavam me rasgar a garganta. Logo, eu estava com as costas sobre o chão. O mundo estava desbotando. Eu golpeava cegamente. Minha mão caiu, e logo se fechou automaticamente sobre o cabo de minha adaga, à qual eu estivera incapaz de pegar. Puxei e apunhalei. Saiu um bramido terrível, semi-bestial e estridente. Então cambaleei livre, de pé. Aos meus pés, jazia o lobisomem.

Eu me curvei, ergui a adaga, e então parei e olhei para o alto. A lua estava perto de seu zênite. Se eu matasse a coisa enquanto fosse homem, seu espírito horrendo me assombraria para sempre. Sentei-me e aguardei. A coisa me olhava com flamejantes olhos de lobo. Os longos membros esguios e fortes pareciam encolher; o cabelo parecia crescer sobre eles. Temendo enlouquecer, agarrei e ergui a espada da coisa, e a cortei em pedaços. Então, lancei a espada para longe e fugi.



FIM




Tradução: Fernando Neeser de Aragão.

Fonte: http://en.wikisource.org/wiki/In_the_Forest_of_Villef%C3%A9re
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